Celebrar uma grande exposição com debates, conferências, visitas guiadas? Isso é o que um museu respeitável faz por qualquer artista que preze. Mas o respeitabilíssimo Museo Nacional del Prado, em Madrid, fez algo diferente e inesperado: para assinalar El Bosco. La Exposición del V Centenario, a retrospetiva que reúne vinte obras de Hieronymus Bosch (1450-1516) – isto é, 75% do trabalho conhecido do holandês mais enigmático da história da pintura -, a instituição lançou o seu primeiro livro de banda desenhada. Um cómic, por supuesto.
El Tríptico de los Encantados (una pantomina bosquiana) é um pequeno livro, uma narrativa visual com 72 páginas brancas, por onde desfilam pássaros estranhos de bicos longos, porcos falantes, padres e pecadores, coelhos de túnica, peixes guerreiros, homens atarantados, encapuzados misteriosos, gente a sair de ovos gigantes, e muitas outras criaturas híbridas que já vimos em qualquer lado… Ainda que o traço esteja estilizado, condensado em poucas linhas minimalistas, e a duas cores apenas, é fácil identificar ali o universo fantástico das obras de Bosch, pintor que deu corpo aos pavores religiosos medievais, quando se acreditava que os demónios viviam paredes meias com os homens, e que os pecadores eram assombrados por seres estranhos que os picavam com lanças ou que os atiravam para dentro de caldeirões a ferver.
Essas histórias também se encontram nesta banda desenhada, a diferença é que, aqui, nos fazem sorrir. El Tríptico de los Encantados é uma criação de Max, isto é, o ilustrador Francesc Capdevilla (Barcelona, 1956), autor de uma trintena de livros publicados, que assina uma vinheta semanal no suplemento Babelia do jornal El Pais. Esta narrativa visual está dividida em três capítulos – cada um deles diz respeito a uma obra icónica de Hieronymus Bosch: O Jardim das Delícias, A Extração da Pedra da Loucura e As Tentações de Santo Antão – sendo que este último é o grande tríptico, habitualmente guardado no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, e peça central da exposição no museu madrileno.
No seu blogue, Max explica que escolheu o tríptico “porque é o formato de algumas das obras mais conhecidas de Bosch”. E mais: a estrutura em três capítulos tem as guardas exteriores e posteriores a exercerem as funções de painéis exteriores do tríptico. “Não há, de facto, nada ornamental nem gratuito no livro: tudo significa algo, tudo contribui para dotar de sentido a história que ali se conta”, defende.
Ao jornal El Pais, o ilustrador catalão disse ter situado este universo num “contexto metafísico”, influenciado por um dos seus pintores de referência, Giorgio De Chirico. “Praticamente, não há vinhetas fechadas, joguei muito com os brancos, com o vazio, e toda a narrativa flui numa visão frontal, como se estivesses num teatro, a observar os atores a movimentarem-se pelo cenário”, explicou. Este Bosch em versão b.d. é bem humorado, cartoonesco, cândido. Por cerca de €15, caminhamos assim para o céu ou para o inferno, mas em muito boa companhia.