Na noite em que um ser humano pela primeira vez pisou a Lua, a 20 de julho de 1969, Caetano Veloso e Gilberto Gil subiam juntos ao palco do Teatro Castro Alves, em Salvador da Bahia. Mas aquele não era um momento feliz. Emotivo, sim. O concerto tinha-lhes sido sugerido pelas autoridades da ditadura brasileira com um objetivo muito claro: financiar a partida dos dois músicos para Londres, num exílio informalmente imposto (depois da passagem de ambos pela prisão) como a melhor solução. Caetano e Gil tinham 27 anos e a sua amizade fortaleceu-se nos tempos que passaram na capital britânica. Até aí, os seus talentos já se alimentavam mutuamente e sentiam que partilhavam uma visão comum para o futuro livre da música popular brasileira. Em 1968, no disco Tropicália ou Panis et Circencis (ao lado de músicos como Tom Zé, Gal Costa, Nara Leão ou Os Mutantes), tinham anunciado, com estrondo, esse caminho.
“Se você não fizer música eu também não faço”, terá dito Gil, no meio da década de 60, durante uma crise de confiança de Caetano Veloso. Ambos nasceram em 1942 na Bahia, com pouco mais de um mês de diferença. “Gil é um mulato escuro o suficiente para, mesmo na Bahia, ser chamado de preto. Eu sou um mulato branco o suficiente para, mesmo em São Paulo, ser chamado de branco”, escreveu Caetano Veloso no seu livro de 1997 Verdade Tropical. “Constituímos, juntos, uma espécie de entidade”, dizia também nessas páginas.
Quando, no próximo dia 31, subirem juntos ao palco, no Parque dos Poetas (integrados no programa do festival EDP Cool Jazz), é toda uma longa história que se convoca naquelas vozes, naqueles gestos e palavras, naqueles violões. Back to Bahia, de Gilberto Gil, a primeira canção da noite, vai dar o tom recordando um regresso de Londres que eles temiam que nunca acontecesse… Disso e muito mais se falou nesta conversa solta no Hotel Europa, com vista sobre os canais de Amesterdão. Para ler com sotaque e sem grande respeito pelas harmonizações de um suposto acordo ortográfico.
Como é que cada um recorda a primeira vez em que encontrou o outro?
Caetano Veloso: Eu conheci o Gil na televisão. Mas depois, um amigo nosso, o Roberto Santana, apresentou-nos…
Gilberto Gil: Na Rua Chile…
CV: Isso, na Rua Chile, em Salvador ?[da Bahia]. Eu estava indo sozinho e ele estava vindo de lá com Roberto.
GG: Nós éramos ambos recém-conhecidos dele.
CV: Ele já me tinha prometido que me apresentaria o Gilberto Gil, que eu queria muito conhecer depois de o ter visto cantar na televisão.
GG: Houve uma empatia imediata, encontrámo-nos mais vezes nessa semana.
CV: Foi imediato. Logo no primeiro dia conversámos muito…