“O pai do rock português” regressa aos Coliseus (esta sexta, 28, no Porto, sábado, 29, em Lisboa) em formato trio, acompanhado por Alexandre Manaia e Berg. As salas estão praticamente esgotadas para escutar êxitos antigos como “Chico Fininho” ou “O Trolha d’ Areosa” em formato mais intimista. Acerca destes concertos acústicos, Rui Veloso confessava, há dias, à VISÃO a vontade de os fazer “há muitos anos”. “Têm uma certa intimidade que me agrada. É uma coisa mais despida e é interessante ver que o poder das canções não se compadece com instrumentações nem nada.”
Nasceu em Lisboa mas veio para o Porto com três meses. É sempre a primeira vez/ em cada regresso a casa, tal como diz a música?
Sinto-me mais em casa aqui, mas há muitos sítios onde me sinto em casa. Gosto de Lisboa. É uma cidade muito bonita e as pessoas são simpáticas. Só que é muito grande para mim. Vivo no campo há 20 anos [em Vale de Lobos, Sintra] e gosto da tranquilidade. Não gosto do bulício da cidade. A não ser que seja Nova Iorque, mas aí a gente já sabe ao que vai. Fazer vida diária numa cidade grande era uma coisa que me incomodaria. O Porto tem uma medida curiosa. Pode-se viver aqui. Mas também vou ao Alentejo, ao Redondo, ter com o Vitorino. Vou à Comporta, tenho lá montes de amigos, e também aí me sinto em casa.
Há sítios imperdíveis no Porto?
A zona da minha infância [Lordelo do Ouro] já está um bocadinho mudada. O que está mais ou menos na mesma é o Café Corcel. Frequentei-o todos os dias, durante anos.
O que fazia lá?
Bebíamos uns copos, tomávamos café, conversávamos e ficávamos por lá. Andava no liceu Garcia de Orta. Também frequentei bastante o café Fonte da Moura. Quando passo por lá e vejo que é um banco, sinto uma tristeza grande. Ainda hoje me lembro com saudade do café e irrita-me que um ponto de encontro que fez tanta gente feliz, local de conversa, troca de discos, possa ser agora, até, local de infelicidade para as pessoas.
Como vê o Porto atualmente? Tem outra dinâmica?
Tem. Mas não a dinâmica que eu esperava. O Porto, há 20 e tal anos, estava na vanguarda da cultura no País. Nós, os portuenses, músicos, artistas, intelectuais, tínhamos muita esperança em que avançasse, no campo da cultura. E não é bem isso que se verifica. A política cultural dos últimos anos foi nula e dava a impressão de que havia uma quota a preencher, basicamente, pelo Rivoli entregue ao Filipe La Féria, a Casa da Música e Serralves. O resto era acessório. A juntar a isso tudo, uma movida, na Baixa, baseada nos copos, que tem pouco de cultural e mais de mundano e efémero. De qualquer maneira, o Porto melhorou. Tenho mais ou menos a ideia de que o turismo atual é muito baseado no low cost, na Ryanair, nos hostels.
Mas ganhou mais turistas...
Para se ter turismo como deve ser, deveria existir uma política cultural, antes. Que não passasse só pelos eventos culturais, mas envolvesse a apresentação da própria cidade, um certo número de regras que definissem a cara do Porto.
Que regras?
Os restaurantes terem bom aspeto, bom serviço. Devia haver uma série de regras como se vê noutras cidades fora do nosso país: higiene, bom aspeto, bom-gosto. A Ribeira, que é o ex-líbris do Porto, parece a Feira de Vieira do Minho, sem desprimor para a feira que é muito bonita.
Acredita que a nova autarquia possa mudar isso?
Acredito. Para já, há uma vereação da Cultura, o que é um bom sinal. Depois, o Rui Moreira é aberto, civilizado, inteligente. Não quer dizer que o outro presidente não o fosse, mas, aqui para nós, era um bocadinho saloio (sem ofender os saloios, porque vivo na zona saloia), mas era um bocado provinciano. Foi por essa visão um pouco afunilada que isto não andou para a frente culturalmente e não só. Conheço o Rui Moreira desde o tempo de liceu e acredito que o Porto vá melhorar bastante no que respeita às regras de civilidade, porque sempre foi uma cidade com gosto mais requintado do que as do Sul. O Sul vive um bocadinho mais de aparências.
É público que os restaurantes D. Tonho têm dívidas. Ainda se mantém ligado a eles?
Que remédio, sou sócio. Mas o D. Tonho entrou no chamado PER (Processo Especial de Revitalização), portanto, vamos ver. A própria Ribeira precisava de uma revitalização, aquilo foi muito esquecido e há dias em que é um caos autêntico, uma confusão com milhares de pessoas, restaurantes à beira da estrada, bancas a vender todo o tipo de coisas.
Qual é, afinal, o seu Porto Sentido?
Gosto muito ali do Passeio Alegre e da Foz, é um sítio especial do Porto, daquela zona do Cabedelo, onde o rio entra no mar. Sempre me fascinou aquele farol, o Castelo da Foz, o Hotel da Boa Vista, as palmeiras.
Do que tem saudades na cidade?
Dos cafés. Fico um bocado nostálgico do tempo em que o grupo se encontrava nos cafés. Íamos para a cave [em casa dos pais], sem pensar no futuro. Fui para Lisboa e nunca perdi a pronúncia, apesar de nunca a ter tido acentuada. Mas estou sempre em contacto com o pessoal do Porto, isto é um cordão umbilical que nunca se perde. Quando o meu restaurante estava melhor, fazíamos uns jantares anuais. Gostava de juntar o pessoal do bairro.
No Porto, onde tomaria Um café e um bagaço?
Num dia de hoje, com sol, no meu restaurante em Gaia [o outro D. Tonho], a olhar para o Porto. A vista é espetacular.
Ainda é tratado por Chico Fininho?
Não, no Porto nunca me chamaram isso. Aqui, chamam-me “Ó Rui”. Tratam-me como se fosse família. Mimam-me muito.
Nunca pensou seguir as pisadas do seu pai na política [Aureliano Veloso foi o primeiro presidente da Câmara eleito, após o 25 de Abril]?
Não. Gosto de estar de fora, para lhes dar pancada.
Por isso, foi apoiante de pessoas de diferentes cores políticas.
Sim. Por exemplo, aqui, no Porto, apoiei tanto o Rui Sá como o Francisco Assis. Estou em Vale de Lobos, voto em Sintra, para mim já não faz grande sentido apoiar este ou aquele. Apoiei o Seara, sim, mas também o Tó Zé Correia, de Peniche, que é da CDU. Já não estou muito virado para aí. Esses apoios, às vezes, podem fazer sair o tiro pela culatra.
Mas saiu desiludido?
Desiludido, sim, porque o Rui Sá não ganhou nem o Francisco Assis. Em relação ao Tó Zé Correia não, é um presidente de Câmara adorado pelas pessoas, faz obra, é de uma civilidade a toda a prova. Nesse caso, não me arrependi.
E, na música, como vê esta nova geração de cantautores? Como o Miguel Araújo e companhia?
Conheço-o desde miúdo, sabe mais músicas minhas do que eu [risos].
Têm um caminho mais fácil a percorrer do que o seu?
Não diria isso. Cada época tem a sua especificidade. Na minha, havia dificuldades, mas também menos informação e concorrência. Hoje, qualquer pessoa acha que pode ser artista. O lixo triplicou. No meio de tanta porcaria, é difícil distinguir o que é bom, até porque o nível de gosto baixou. As pessoas passaram de CDs, LPs, aparelhagens, para MP3, que é claramente um retrocesso de qualidade. Depois, há esta proliferação de programas de pseudoartistas, não só em Portugal mas em todo o mundo, que não têm nada a ver com música mas baralham as pessoas. Por isso, não sei se é mais fácil para eles.
E gravam-se discos mais facilmente...
Grava-se em casa. Com a descida e “pimbalhização” do gosto, as camadas mais jovens não têm tido acesso às coisas de qualidade como eu tive, porque andava à procura delas. São inundados de porcaria.
O que lhes diz? Aconselha-os a emigrar?
Não. Aconselho-os a cantar em português, porque precisamos de uma cultura forte, aqui dentro. Cantar em inglês em Portugal é um bocado como a relação que tive com o inglês. Conheço milhões de músicas e, sinceramente, nunca entendi a maior parte das letras. E sou uma pessoa que fala bem inglês. Na altura, em que não havia Google, ouvia os discos de trás para a frente, tirava a letra à mão de uma ou outra música que queria cantar, do Tom Waits, Neil Young… Sempre liguei muito ao som, à parte instrumental, à composição. Só ligava ao que diziam o Leonard Cohen, o Tom Waits ou o Springsteen.
Ainda ouve LPs?
De vez em quando. Tenho o meu gira-discos a funcionar, mas eles ocupam um espaço do cacete. Tenho 1 400, na sala de ensaio. Mesmo os CDs (tenho uns 2 ou 3 mil) e DVDs de música (tenho uns mil) ocupam muito espaço. De qualquer maneira, continuo a comprar CDs, DVDs e não ouço nada no computador. Vou, às vezes, ao Spotify. Continuo a comprá-los, porque gosto de pôr aquilo na aparelhagem do carro. Tenho um iPod com 8 mil músicas e não sei o que ouvir. Se for para férias e levar oito ou nove CDs, só ouço isso.
E a televisão tem poucos programas de música . Isso não existe há muitos anos…
Tenho um projeto, um programa de música, vamos ver se corre tudo bem. Música lusófona, dos portugueses e do resto dos países lusófonos, ao vivo, em princípio conduzido por mim. Será ainda em 2014, na RTP, que está a fazer um esforço para fugir ao mainstream das TVs, apostando em produção nacional.
Como são estes concertos em formato trio, com Alexandre Manaia e Berg?
Estar com dois músicos em cima do palco é diferente de estar com bateria, baixo, aquela parafernália de instrumentos. Nos últimos anos, temos sido sete em cima do palco. E ter três com guitarras acústicas é muito mais difícil, porque se notam os pormenores todos. Mas tem uma certa intimidade que me agrada. Há muitos anos que queria fazer concertos acústicos. É uma coisa mais despida, vale por aquilo que vale, por as canções chegarem às pessoas ou não. É interessante ver que o poder das canções não se compadece com instrumentações.
Regressa ao Porto, dia 28, para um concerto (quase esgotado) no Coliseu. Vem, com regularidade, à cidade?
Tenho cá os meus pais, os meus irmãos, os meus sobrinhos… Não venho tanto quanto gostava, porque vir de Lisboa já não é propriamente barato. Não dá para vir todas as semanas, que é uma propina jeitosa.