As vaias que ecoaram no festival de Cannes, quando o filme do realizador dinamarquês, foi exibido bem podem escaqueirar-se no chão como uma jarrinha de cristal.Invocou-se, na ocasião, o abuso de violência gratuita ou mesmo a estitização da crueldade. O que não deixa de ser verdade, em absoluto. Quase cena sim, cena não, sendo que para o final, consecutivamente, sem a “aliviada” intercalar. A questão é que tudo é tão estilizado, tão assumidamente artificioso, tão já visto, que francamente não impressiona. Nem a tortura em que o malandro do polícia de bangkok (um ás no sabre e no karaoke) escarafunja os olhos e ouvidos do malandro do traficante americano. A sensação é a de que já vimos este filme antes – e quando isso acontece anulam-se as emoções e começam-se à procura das “consanguinidades”. Claro que uma catana em acção, amputadora de membros, remete-nos logo para o universo Tarantino, em Kill Bill, mas aí ninguém se lembrou de lhe apupar a violência – seria ridículo. Porque ao reciclar a série B, ele sempre renova, e do velho e requentado faz algo inteiramente novo. O mesmo não se pode dizer de Nicolas Winding Refn, falta-lhe ironia, falta-lhe humor e com isso quebra-se o pacto com o público, que aceita o menu da violência (mesmo a estupidamente explícita e sanguinária) se no outro prato se servir o do humor ou em alternativa um guião inteligente. Estão lá os ecos, falta a voz que lhes dá origem. Além do mais, este Só Deus Perdoa parece tanto o Drive…Não só pelo protagonista ser Goslin, ou por se tratar outra vez de uma história de vingança. Não parece sequer uma sequela: parece que permanecemos exatamente no mesmo filme que, em 2011, rendeu o prémio de Melhor realizador em Cannes. Depois de ser o duplo que conduzia o carro para assaltos e esborrachava o crânio dos vilões com a bota, Ryan Goslin podia ter viajado para a Tailândia, onde passara a dirigir um ginásio de boxe para encobrir um negócio familiar de tráfico de droga. O ambiente, as cores, os artifícios de câmara, os sons estão no mesmo registo: como se toda a ação se passasse dentro de um aquário. E Ryan Goslian mantém o mesmo ar impasível de poor lonesome cowboy.
Só Deus Perdoa
De Nicolas Winding Refn. Only God Forgives, com Kristin Scott Thomas, Ryan Gosling, Tom Burke, Vithaya Pansringarm, Yayaying Rhatha Phongam. Drama. 90 m. França/EUA/Tailândia. 2013