Gus Van Sant não perdeu a mão para fazer filmes relativamente banais, daqueles que Hollywood gosta, é a conclusão a que se chega ao ver Terra Prometida. E tal pode ser encarado como um exercício semelhante ao de um pintor que, depois de arriscar tudo em radicalismos abstratos, resolve desenhar um nu escolar, só para mostrar que o experimentalismo do resto da obra não se atribui à incapacidade de imitar os clássicos. Contudo, Picasso nunca seria Picasso se se ficasse pelos primeiros esboços escolares e realistas. Terra prometida até é um bom filme, não é isso que está em causa, os realizadores não têm sempre de andar de pipeta em punho, em busca do composto químico que reinvente o (seu) cinema. Mas quem tem no currículo a mais brilhante sequência de quatro filme do cinema americano recente, não deixa de desiludir quando faz um filme mais comezinho. Sejamos claros: Gus Van Sant tem quatro obras maiores, quase insuperáveis, o que é bastante para um só realizador. Jerry (2002), Elefante (2003), Os Últimos Dias (2005) e Paranoid Park (2007) são filmes ousados, que desafiam as normas e lançam caminhos alternativos para o cinema americano, afastando o seu autor do mainstream. Quando, em 2008, Gus Van Sant realiza Milk, traçando um biopic dos mais carismáticos ícones do movimento gay norte-americano, regressa ao mainstream, conseguindo mesmo dois oscars e oito nomeações. Perde-se, no entanto, esperemos que não irremediavelmente, a tal ousadia artística e formal. Milk é um bom filme dentro dos cânones. Um filme bandeira, que de alguma forma desilude quem se deixou deslumbrar pelos quatro filmes anteriores. O mesmo acontece com Terra Prometida, que nos leva até a suspeitar que as obras maiores de Gus Van Sant na década de 2000 foram um mero interlúdio. Terra Prometida faz uma ligação com Good Will Hunting (1997), um dos seus maiores sucessos comerciais, com Robin Williams a fazer o papel de psicólogo, que valeu dois oscars e nove nomeações. A ponte é feita pelo outro protagonista, Matt Damon. A ousadia de Good Will Hunting, se é que se descobre alguma, havia sido, precisamente, entregar a escrita do guião aos atores Matt Damon e Ben Affleck. Em Terra Prometida, Damon volta a colaborar com Gus van Sant nesta dupla vertente: é ator e argumentista. Um bom ator, figura inevitavelmente simpática, e um guionista que segue a cartilha, procurando histórias redondas, como mandam as regras de Hollywood. Tal como Milk, este é um filme militante, que luta por uma causa. Se no anterior eram os direitos dos homossexuais, neste há uma causa ecológica, mais concretamente, a denúncia dos imensos perigos da exploração de gás no subsolo americano. E tal como Milk partia de um documentário The Times of Harvey Milk (Rob Epstein,1988), este inspira-se claramente em Gasland, de Josh Fosh, filme que passou no Cineeco e esteve nomeado para os Oscars em 2010. Olhando para Gasland, percebe-se que, ao criar uma ficção para o tema, Gus Van Sant facilmente poderia ter feito um filme de terror, em tom apocalíptico, ao estilo M. Night Shyamalan. Seria um caminho fácil e até óbvio. Mas a verdade é que Gasland é bastante mais aterrador do que Terra Prometida – chega a ser sugerido que a cidade de Nova Iorque poderá ficar sem água potável. Na sua denúncia Gus van Sant demonstra uma inabalável crença na humanidade. E por isso não há uma visão bipolar dos argumentos. Até porque nós começamos por estar do lado do mal. Mas sendo essa ‘maldade’ personificada na simpática e crédula personagem de Matt Damon, é sempre relativa. A ‘maldade’ é substituída por uma ingenuidade que, até determinado ponto, funciona de ambos os lados. Matt Damon e Francis McDormand fazem um curioso par, que anda de casa em casa, numa pequena vila americana, a tentar adquirir licenças para a exploração de gás natural em terrenos de pequenos proprietários. É uma proposta perversa, que confronta os habitantes com a sua própria pobreza. Mas van Sant mistura o drama com uma história de amor, que lhe é superior. E é através do amor que o mundo se redime. O filme, com uma causa forte, ultrapassa os limite do próprio cinema. Mas não deixa de ser uma obra menor. Terra prometida, de Gus van Sant, com Matt Damon, Frances MacDormand, Rosemarie DeWitt, John Krasinski, 106 min
TERRA PROMETIDA À conta do gás
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Gus Van Sant não perdeu a mão para fazer filmes relativamente banais, daqueles que Hollywood gosta, é a conclusão a que se chega ao ver Terra Prometida