A escolha alemã para candidato de melhor filme estrangeiro aos óscares é muito pouco audaciosa. Urso de Prata em Berlim, o filme leva-nos ao outro lado do muro, na ex-RDA (1980), num país, onde se escutam os próprios passos, onde em cada esquina há um vulto, em cada esquina desconfiança, onde se vasculham os interiores das casas, os interiores das próprias pessoas. E elas avançam, sempre com o ruído dos passos nos ouvidos, e o vento agreste desarranja-lhes os penteados, e os sapatos roem-lhes os calcanhares, em ferida. É um país de contraplacado funcional, onde as canalizações estão à mostra. E nas ruas há carros roufenhos e porteiras vigilantes com um molho de chaves na mão. E é aqui que se move uma médica pediatra, com um olhar rude, quase glacial uma espécie de Marléne Dietrich, cuja secura do rosto só se dilui e suaviza quando se aproxima das crianças que atende no hospital, e lhes lê As Aventuras de Huckleberry Finn, o errante menino vagabundo. Ou quando desmancha o rolo de cabelo amarelo. Mas até a relação dos amantes é seca e pouco calorosa. Ela é vítima de tanta atenção da “Stasi” (ou de tanta humilhação) por ter tentado a dissidência, e os alemães de leste não admitiam que, como se diz agora, os cérebros lhe escapassem, na lógica de que não andaram a financiar uma educação estatal para depois os médicos irem curar capitalistas… Por isso “expatriam-na” para um hospital de província, fazem-lhe emboscadas de carro, espreitam-lhe os recantos, mantém-na debaixo de olho. O filme é bastante linear e até previsível, não ousa, burocratiza o argumento, sem criar espessura dramática no antagonismo: há uma tentativa ténue de não demonizar o regime mas não convence. Esquematiza demasiado, torna tudo simplista. Sobretudo, depois de Good-Bye Lenin ou do genial As Vidas dos Outros, não comove, nem traz nada de novo – a não ser uma improvável fuga aquática, com um “passador” marítimo, muito mais ao estilo cubano do que ao germânico. É no rosto da actriz Nina Hoss que o filme nos conquista, naqueles traços rudes e vincados – um sentimento de raiva, misturada com medo, em permanente estado de alerta.
Barbara
De Christian Petzold. Barbara, com Carolin Haupt, Christina Khecke, Claudia Geislr, Nina Hoss, Peter Weiss, Rainer Bock, Ronald Zehfeld. Drama. 105 min. Alemanha. 2012