“DIARY”de David Perlov (1973-1983)
A construção diária de um arquivo íntimo que é também a re-criação cinematográfica de uma vida. Perlov filmou a sua vida durante 10 anos e construiu um diário filmado onde tudo cabe. É cinema como a arte mais intuitiva do mundo.
Descobri este filme através do meu amigo Rui Ribeiro, que me ajudou na montagem do filme do Corvo. E disse-me: “este é um filme de uma vida, desfruta-o com tempo.”
Logo no primeiro capítulo há um pormenor que diz muito: O plano mostra as duas filhas de Perlov a comer uma sopa. Elas chamam-no para deixar de filmar e vir comer também a sopa. Mas Perlov fica no meio e diz-nos: “I don´t konw if I should eat the soop or film the soop”. É isto! É isto!
“ROUTE ONE, USA” de Robert Kramer (1989)
A estrada nacional nº1 liga todo o território norte americano, da costa este à costa oeste. Robert Kramer é um dos grandes exemplos do que poderemos chamar de “cineasta-viajante”. Depois de muito acompanhar o mundo a transformar-se, decide fazer uma viagem pelo seu país, nos finais de 80, sem fim à vista. Uma viagem que é um filme de descoberta de um vasto território humano, como se fosse um mapa intimo das nossas emoções. Um filme de 4 horas feito com a paixão dos bravos, que se vê de um só fôlego. Quando chegamos ao fim, só queremos sair de casa e filmar…
“OS ENCONTROS DO DIABO” de Haroun Tazieff (1959)
Esperei muito até ter oportunidade de ver este filme. Tazieff foi um tipo conhecido, o Cousteau dos vulcões, aventureiro e explorador, vulcanólogo e cineasta. Este filme segue um roteiro pelo mundo fora de vários vulcões em actividade. E Tazieff corre todos os riscos para chegar mais perto, para filmar de mais perto. É um filme irrepetível e único, porque assistimos a uma aventura única, com planos assombrosos, momentos de pura magia. Como extra apelativo, temos uma sequência na erupção do vulcão dos Capelinhos, no Faial, Açores.
“RECORDAÇÕES DA CASA AMARELA” de João César Monteiro (1989)
Outros filmes portugueses poderia ter escolhido, mas a morte de JCM deixou grande parte do cinema português órfão. Filme mais liberto e popular do que este não existe, popular poético, popular subversivo. As venturas e desventuras dum solitário de meia idade num bairro lisboeta. Visto à distancia, é uma filme também para grande público porque respira o ar do seu tempo, fala de coisas concretas, típica e modernamente lisboeta e português. Ave César!
Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives by Apichatpong Weerasethakul (2010)
Tenho de confessar que este é o primeiro filme do Apichatpong que vejo. E só tenho a agradecer a maravilha desta revelação, logo com um filme como Uncle Boonmee. Há muito tempo que não via, no cinema contemporâneo, um filme com planos tão distendidos à volta das suas personagens. Porque cada segundo conta. Cada segundo no plano e cada gesto dentro do plano. São as noites na casa da floresta, são os mortos no meio dos vivos e os vivos no meio dos mortos. É a forma como todos os mundos paralelos convivem, sem efeitos, sem “trucage”. E depois, como uma imensa onda lenta de mistério, a sequencia final no quarto do hotel, de tão enigmática que só nos pode dizer que tudo o que vimos até ali é só uma pequena parte de outras maiores, uma passagem, ou um ritual liberto de sentido. Entre a morte e a ressurreição, a eternidade da vida e do cinema como fé inabalável no mistério da vida.