Como tantas vezes na história da música popular, começou por ser uma coisa de amigos. E, neste caso, de irmãos. Dois pares: os gémeos Bryce e Aaron Dessner e Bryan e Scott Devendorf. O quinto elemento dos The National, a cara mais conhecida do grupo onde faz figura de filho único, é o vocalista Matt Berninger, autor das inspiradas e, não raro, misteriosas letras. Tem uma voz grave, pouco dada a grandes variações de registo, dessas vozes que inevitavelmente acrescentam densidade e melancolia às palavras que cantam – às vezes comparada com a de Leonard Cohen e Nick Cave; lembrar, a propósito, Stuart Staples, dos Tindersticks, também não é despropositado. E possui o grande poder de vetar canções: “Tenho talvez uma quantidade desequilibrada de poder dentro do grupo, porque se eu não gostar de alguma coisa, simplesmente não a canto. Isso significa que só as canções de que eu gosto chegam aos discos. É injusto, mas é assim mesmo”, explicou Matt numa entrevista ao The A.V. Club, o lado (mais) sério do jornal satírico The Onion.
Nova Iorque, mais propriamente Brooklyn, esse palco de muitas das mais excitantes novidade musicais dos últimos anos, é a casa dos The National, mas todos os seus membros cresceram em Cincinatti, no Ohio, em famílias de uma classe média confortável. Partiram para a grande cidade da costa Leste para trabalharem, ou para estudarem. Bryce, um dos gémeos, foi o único que sempre se dedicou à música e viu nela o seu caminho profissional. Matt trabalhava em design gráfico, numa empresa de novos media. Foi para tocarem numa festa dessa empresa, por alturas do Natal, que os cinco sentiram necessidade de dar um nome ao que aparentemente já se tinha transformado numa banda. Um nome que queriam “meaningless”, sem significado. Ficou The National, sem porquês.
Sinceridade e melancolia
A história começa, pois, com esse grande lugar-comum: rapazes que se juntam para tocar, para formarem um grupo, gravar um disco, na melhor das hipóteses. Mas depois… bem, depois, o percurso dos The National não se parece nada com o de um grupo deste febril século XXI. Estamos habituados a que nos contem histórias sobre bandas “descobertas na net”, que passam de desconhecidas a fenómenos, em menos de uma semana, para se transformarem em longínquas memórias no ano seguinte. Sim, assistimos ao fim da “ideia de álbum” e passámos a concentrar-nos em canções isoladas, prontas para um rápido download. Tememos a queda (ou, perversamente, antecipamo-la) ao segundo disco de grupos que ganharam o estatuto de génios, logo na estreia. Fazemos zapping no YouTube… Esqueçam tudo isso. Durante anos, os The National não eram cool, nem sequer conhecidos. Foram gravando discos, calmamente. Os dois primeiros – The National (2001), discretamente metido na gaveta do country alternativo, e Sad Songs for Dirty Lovers (2003) – são quase clandestinos, só procurados, ainda hoje, por uma minoria. Foi a partir de Alligator (“I had a secret meeting in the basement of my brain…”), em 2005, que começaram a dar realmente nas vistas e a disputarem um lugar nas listas dos melhores álbuns do ano.
Os empregos ficaram definitivamente para trás. Saltaram fronteiras e tinham tudo para serem muito bem acolhidos na Europa – como foram. Com Boxer (“We’re half-awake in a fake empire…”) chegaram a muito mais pessoas e passaram a poder ambicionar o estatuto de referências de uma década. As expectativas eram muito altas quando, em 2010, lançaram High Violet (“I’ll defend my family with my orange umbrella/ I’m afraid of everyone, I’m afraid of everyone…”). Aparentemente, não desiludiram ninguém. Como os próprios admitem, sem falsas modéstias, tornaram-se cada vez melhores, de disco para disco. O seu método de trabalho inclui horas e horas (e horas) passadas à volta de uma canção, a experimentar as melhores roupagens, a hesitar, a discutir, a amuar, a voltar atrás, a despi-la, a vesti-la outra vez. “Eles são a última encarnação de uma clássica banda de rock’n’roll”, disse o insuspeito compositor Steve Reich.
A verdade é que, às vezes, a força, e o estilo, dos The National parece mais da ordem da literatura do que do mundo do pop rock. É verdade que conseguem incendiar o público (como aconteceu, há cerca de dois anos, numa Aula Magna cheia, em Lisboa) mas não se prestam a jogos mediáticos de show-off, não criam rábulas, não cantam sobre estereótipos mais ou menos idiotas, não brincam à juventude eterna. É a dificuldade das relações humanas, a insegurança, as dúvidas, a vida adulta, a responsabilidade da paternidade, a sobrevivência, as ruínas de uma pessoa ou de um império, o que se ouve nas canções dos The National. As letras de Matt nunca são óbvias ou explícitas, mas transpiram sinceridade. E, quase sempre, melancolia.
Há algo de muito europeu e pouco americano nos The National. Será a lentidão do seu percurso? O vinho que o vocalista gosta de bebericar, durante os concertos? Essa melancolia? Ou o charme das ruíncas?