Viagem a Portugal, de Sárgio Tréfaut
A Torre de Belém aparece no fundo de uma fotografia, como paraíso inalcançável ou extraviado. Quem espera de Viagem a Portugal um panfleto turístico em forma de filme que se desengane pois trata-se do oposto. Não que se denigra a qualidade das nossas atrações, simplesmente porque nem sequer chega lá, fica-se pela viagem que poderia ter sido. O título do filme, Viagem a Portugal, é de uma ironia dramática. Portugal até pode ser um país maravilhoso, mas nós ficamo-nos pelas paredes brancas do aeroporto de Faro, onde uma ucraniana (Maria de Medeiros) que veio visitar o marido (Makena Diop), com um visto de turismo válido, é impedida de entrar no país pelos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras.
Não deixa de ser sintomático que Sérgio Tréfaut, que se destacou no documentário com Lisboetas onde, mais uma vez com alguma ironia no título, revelava as comunidades imigrantes de Lisboa, regresse ao tema da imigração na sua primeira ficção. E, mais uma vez, com uma intenção política e humana, de mostrar o que não se vê. Aqui desperta em nós, da forma mais violenta, um sentimento de injustiça, exibindo as subtilezas da descriminação xenófoba e racial. Fá-lo de forma inteligente, humanizando de certa maneira os agentes da polícia, sobretudo a agente interpretada por Isabel Ruth, desenhando-os com as suas contradições, culpando também o sistema em si, sem os diabolizar como o mal absoluto. Um conceito ademais realista e eficaz. Porque a xenofobia lusa aprece muitas vezes mascarada ou alternada com cartas de princípios e condescendentes boas intenções e lições de tolerância. Mas o resultado efetivo é a usurpação de direitos básicos que nos provoca uma sensação de claustrofobia. Tudo isto no Portugal contemporâneo que é como quem diz, em 1998, ano da Expo de Lisboa, em que Tréfaut contextualiza a história inspirada em factos verídicos.
Subleva-se um conceito formal e minimalista. O fundo branco em que as cenas decorrem e se repetem numa outra perspetiva, na tentativa de nos colocar em ambos os lados… Porque facilmente vestimos a pele do oprimido, ainda para mais quando a atriz que faz de ucraniana é a portuguesa Maria de Medeiros. Mas na verdade, enquanto portugueses calha-nos talvez o papel do opressor. Sérgio Tréfaut estreou-se da melhor forma na ficção, e o seu filme é um forte candidato ao prémio nacional do Indie.
Cinema São Jorge, sala 1, dia 8, às 21 e 45, e Sala 3, dia 11, às 21 e 30
América, de João Nuno Pinto
América leva a Viagem a Portugal mais além do que o filme de Sérgio Tréfaut, para mostrar como, atravessadas todas aquelas fronteiras impossíveis, Portugal, a Terra dos Sonhos dos imigrantes, se transforma facilmente numa prisão. João Nuno Pinto fez um magnífico primeiro filme, rodado na Cova do Vapor (na Costa da Caparica) a partir de um argumento de Luísa Costa Gomes. Há em primeiro lugar um microcosmos de marginalidade, numa espécie de favela junto ao mar, em que os pequenos crimes à portuguesa marcam o quotidiano de uma comunidade em tempos piscatória. É um meio fechado, com as suas próprias regras, mas que, ao mesmo tempo, perdeu as suas características típicas, através de uma espécie de multiculturalismo chunga, em que, a rigor, não se marca grande diferença entre as teias: a que apanha os imigrantes também apanha os portugueses. Portugal é o pais por cumprir.
O circuito é fechado. Mas as personagens são tão bem construídas, sobretudo a de Fernando Luís e a de Dinarte Branco, que conseguem contrabalançar humor no meio de um mundo claustrofóbico e dramático, com um humor digno de Kusturika. Aliás, todo o drama, a opressão e o sentido mais fundo de beco sem saído é dado pela personagem de Chulpan Khamatova, a esposa ucraniana, que só encontra desilusões no mundo, e, por acasos da vida, vê-se fechada num abismo junto ao mar. É de ali que se adivinha a tragédia, um pouco à medida de Noite Escura ou Mal Nascida, ambos de João Canijo, ao mesmo tempo que se desenha a esperança (obviamente falsa).
O filme é realizado com perícia, com planos longos, que mostram a dimensão labiríntica do bairro, e também as suas contradições: o mar em volta, a praia de areia branca, o que sobra do paraíso sonhado. As personagens são caricatas, mesmo a de Raul Solnado, no papel de falsificador, que faz aqui a sua última grande interpretação cinematográfica. João Nuno Pinto joga com esta figuras, do brasileiro à líder espanhola, passando pela máfia russa, os imigrantes ortopedistas enclausurados, o moedinhas ou a avó, que lembra a velhota que vive no sótão do Alô Alô. Há uma ironia do destino. E o eterno impasse português é dado pelo sempre bem-posto Dinarte Branco. Para já por insistir em vestir-se bem, com fato, em ambiente antagónico. Mas acima de tudo pelo seu empreendedorismo: está sempre a dizer ‘temos que ir para frente’, mas geralmente não se consegue fazer ouvir e a sua vontade de mudança é sempre tardia. João Nuno Pinto, de forma inteligente, numa linguagem de puro cinema, dá uma imagem desoladora de Portugal através de um dos seus mais intrigantes guetos: Portugal é uma América de sonhos que não se realizam.
Culturgest, Grande Auditório, dia 6, às 21 e 30
O Barão, de Edgar Pêra
Edgar Pêra é um dos mais experimentalistas e fascinantes realizadores portugueses, com um trabalho vasto e imensamente original, fora dos cânones, com uma linguagem particular, que é como se o próprio tivesse inventado um novo alfabeto para se exprimir. O seu espírito de guerrilha já levou o IndieLisboa a nomeá-lo herói independente. Mas, curiosamente, o filme que esteve em competição, há um par de anos, Rio Turvo, baseado, como este, em Branquinho da Fonseca, é uma das suas obras mais convencionais em termos formais. O Barão também está limpo de todos k, w e y que povoam grande parte da obra de Pêra, mas, sem qualquer dúvida, volta a fazer uma aposta formal, numa linguagem própria, distante do que vimos em Marialva Mix, por exemplo, mas que assim se mostra de forma quase barroca. Se há mérito que se pode dar a O Barão é que nunca se viu nada assim, pois ele ultrapassa as balizas estéticas de forma audaz, não deixando de servir uma mensagem e um modelo original de cinema. Há quase um barroco formal, que não vem de riscos na película como fez anteriormente, mas de subterfúgios diversos e abundantes, como a sobreposição de imagens, a granulagem, a distorção.
Apesar do ambiente sugerir um filme de terror, não existe propriamente uma busca do medo, muito menos a armadilha de provocar sustos ao espetador, até porque a tensão, dada também pela música, é tão constante que se dilui, sem grandes picos, transformando-se apenas em parte do ambiente sinistro, fantástico, irreal. A história confunde-se com a do conde Drácula e, como é seu hábito, a sua teia experimental oferece-nos refúgio no humor, como é evidente na tuna que aparece às tantas (interpretada pelos Vozes da Rádio. Nuno Melo, ator habituado a trabalhar com Pêra, tem um desempenho notável, que não se dá tanto pela presença física propriamente dita, mas pela modulação da voz. A questão num filme como O Barão não é propriamente a qualidade e pertinência de Edgar Pêra e de toda a sua linguagem: porque é sempre fascinante, um delírio cinéfilo, que nos faz viajar por tempos desencontrados de grandes obras, incluindo Nosferatu, de Murnau, e até que ponto esta vontade experimental vai mais além. Obviamente que sim, O Barão é mais do que uma experiência artística, tem um enredo e uma história, um princípio um meio e um fim. E também histórias dentro da história. Mas não deixa de ser um filme difícil de ver, mas como dizia o própria Edgar Pêra: quem não perceber sempre tem no final, já depois do genérico, um “clip” com o The Final of Contdown dos Europe para se rir um bocadinho.
Culturgest, Grande Auditório, dia 10, às 21 e 30, e Pequno Auditório, dia 13, às 17
Linha Vermelha, de José Filipe Costa
Talvez seja o filme que melhor documenta o Processo Revolucionário em Curso e, mais concretamente, a Reforma Agrária no pós-25 de Abril. Thomas Harlan, um jovem realizador alemão, viajou para Portugal, animado por ideários esquerdista, para reportar o que se viva em Portugal. Ou mais do que isso, para fazer um filme declaradamente militante e, simultaneamente, com uma perspetiva antropóloga. Percorreu vários pontos, mas foi na herdade do Duque de Lafões que conseguiu fazer o melhor retrato, dando uma ideia idealista e romântica do que se estava a passar, numa grande obra cinematográfica, Torre Bela, que, não há muito tempo, foi re-estreada nas salas na versão completa. Contam-se ali episódios fabulosos, como a invasão da casa dos senhores pelos trabalhadores ou uma discussãoa a propósito de uma enxada, que levanta questões sobre o direito à propriedade e as vantagens do corporativismo e mesmo do Comunismo. Thomas Harlan faleceu em 2010 e esta é sem dúvida a sua obra mais significativa. José Filipe Costa fez um documentário sobre o documentário e o seu autor, foi atrás das pistas deixadas, procurou o homem escondido na obra e levantou algumas questões sobre a natureza do próprio cinema ou o naturalismo do documentário. Explica o que está por trás de cada cena, e demonstra a forma como Harlan, por vezes, entusiasmado com a linha e o discurso do próprio filme manipulou as suas filmagens de forma a produzir o efeito desejado, não fosse o cinema, mesmo o documentário, como todas as artes, uma ciência inexata e uma forma de expressão do autor. José Filipe Costa vai mais longe, não se fica pela obra em si, e procura raízes no desenvolvimento das ideias de Torre Bela, que coincidem com as ideias do próprio 25 de Abril, mostrando, por exemplo, um exercício especulativo numa escola da região, em que os alunos debatem a questão da propriedade. Um documentário que, mais do que enaltecer o autor, o desvenda. Thomas Harlan merecia um filme assim, nem que seja pela sua grande obra em que fez um retrato impagável do que o país prometeu ser.
Culturgest, Grande Auditório, dia 11, às 21 e 30, e Pequeno Auditório, dia 14, às 16 e 45
O que há de novo no amor?, de Hugo Alves, Hugo Martins, Mónica Santana Baptista, Patrícia Raposo, Rui Santos, Tiago Nunes
Não se trata de um ensaio que tente responder à pergunta formulada no título. O que há de novo neste filme são as perspetivas de seis novos realizadores, que confiaram em atores igualmente jovens, fazendo um dos raros filmes coletivos portugueses. Têm em comum terem chegado à Rosa Filmes com pequenas histórias de amor. A produtora resolveu juntá-los e encontrar uma forma de lhes conceder toda a liberdade criativa individual ao mesmo tempo que é gerada uma coesão, que faz com que O que há de novo no amor? seja mesmo uma longa-metragem e não uma mera colagem de curtas. Ou seja, todas as histórias se desenvolvem dentro do mesmo universo de personagens, que coabitam do princípio ao fim. O centro acaba por ser a banda de rock onde as personagens que vivem as histórias se encontram. A cada realizador é dada uma personagem que é desenvolvida numa aventura/desventura amorosa. Tal não evita um certo desequilíbrio. Claro que algumas histórias resultam melhor do que outras. Mas quase transversalmente há uma ingenuidade que, até certo ponto, se pode desculpar por ser uma primeira experiência (ou quase) destes seis autores. O tema, o amor nos jovens adultos, acaba por ficar mais ou menos cercado: aborda-se o amor à primeira vista, a felicidade amorosa, a tragédia, o ciúme, a traição… E as referências cinematográficas de forma assumida, sem arrogância ao preconceito, aparecem em pano de fundo no próprio ecrã. O que há de novo no amor? é uma forma inteligente e brava de mostrar ao grande público uma novíssima geração que de outra forma teria dificuldades em tornar-se visível.
Cinema São Jorge, Sala 1, 12 Maio, 21 e 45
Swans, de Hugo Vieira da Silva
Está simultaneamente na secção de Cinema Emergente e na Competição Nacional, a segunda longa de Hugo Vieira da Silva, depois de Body Rice, conta a história de um pai e de um filho que viajam juntos até Berlim, para visitarem a mãe que ele nunca conheceu e que está em coma no hospital. O filme é rodado na Alemanha e falado em alemão. Infelizmente, a produtora não facultou qualquer cópia do filme para visionamento prévio da imprensa.
Culturgest, Grande Auditório, 9 de Maio, às 21 e 30