Ivo M. Ferreira faz uma viagem ao coração, à toca, dos mais estranhos e misteriosos estrangeiros que por aqui passam: os emigrantes chineses. Humaniza-os, descodifica-os e mostra que os estrangeiros somos nós. Identificamo-nos, por tradição, com aqueles que partem. Portugal, historicamente, sempre foi porto de saída, de caravelas e malas de cartão. Um povo em diáspora, que partiu pelo mundo, à conquista, à descoberta ou, simplesmente, em busca de uma vida melhor. Mas nos últimos tempos em Portugal, como se sabe, partimos menos e acolhemos mais. O país converteu-se num privilegiado porto de abrigo, de emigrantes de derivadas origens e etnias. Mas isso mostrou exemplarmente Sérgio Trefaut, em Lisboetas. O desafio de Ivo M. Ferreira em Vai com o Vento é diferente e porventura mais ousado. Vai à origem, à China, e descobre aqueles que estão desejosos por partir, para os quais Portugal tornou-se um sonho. Mostra as suas expectativas, angústias, esperanças e desconsolos. E colocando-nos na pele do outro, ajuda-nos a entender-nos um pouco melhor a nós próprios. Há um lado poético nesta ideia de partida, sempre dolorosa, contudo provisória. Os chineses que vemos, sobretudo Jin Wang Ping, que se torna a personagem principal, pensa em Portugal como uma passagem.
Pelo caminho, Ivo Ferreira faz um retrato dos seus hábitos e costumes, como uma câmara atenta e discreta, observando aquele mundo, mas sem procurar um certo exibicionismo exótico, que muitas vezes impera nos filmes sobre o Oriente. Entra pelos karaokes, pelas conversas íntimas, pelo contacto com os emigrantes na Europa nas casas de internet, mostrando sempre, ao mesmo tempo, uma certa visão lírica, onírica, de esperança e sonho.
E este Vai com o Vento rima com a pequena ficção que lhe antecede em Sala. Em O Estrangeiro, quase que encontramos a outra face da moeda, uma perspetiva antagónica dentro da própria China. Em Macau, o realizador parte em busca de uma personagem misteriosa, um estrangeiro, que viveu por ali em tempos, que até poderá ser o próprio realizador (que viveu em Macau). Há uma busca intensa e quase desesperada por uma memória que não existe. A sua presença desvaneceu-se no novo território, agora totalmente chinês, e a busca torna-se inglória. Pode ser justamente entendido como uma parábola sobre o rastro que Portugal não deixou naquele território. Uma herança mínima, uma invisibilidade equivalente às pegadas de uma formiga nas costas de um elefante. O país que passou por lá e depois deixou de existir, escondeu-se na ausência, numa falta de ar entediante de uma sociedade demasiado apressada para perder tempo com memórias do passado. O estrangeiro é aquele de quem já ninguém se lembra. Tal como os emigrantes chineses vão é vêm, sem deixar marcas. E não adianta seguir as peugadas de Jin Wang Ping. Este filmes tão próximos um do outro, funcionam assim como um espelho e uma prova de existência, ao encontro do outro.