Os mortos estão vivos, os vivos estão mortos, mas isto não é um filme de zombies, apenas um atentado à inteligência. Enquanto espectador senti-me ofendido, por isso aconselho não ver. E tinha tudo para correr bem. Liam Neeson dá um perfeito homem da funerária e Cristina Ricci nem precisa de esforço maior para fazer de morta (ou de morta viva ou de viva morta). Está muito bem filmado, com a crueza que se exige e, a determinada altura, até tem o mérito de nos confrontar, de forma muito directa, com o que que há de mais temível na existência humana: a morte. Faz isso de uma forma quase tão crua como Diogo Camões no documentário Morrer. Grande mérito.
Na vida real, cada um sabe das suas crenças, mas no mundo mágico do cinema, na lógica interna de cada narrativa, podemos acreditar em tudo: fantasmas, zombies, vida além da morte, ressurreições, invasões extraterrestres, gremmelins, brinquedos que ganham vida, animais que falam, carros que pensam, etc… Porque faz parte das regras fantásticas do mundo para onde nos estão a levar. No Toy Story dizem-nos: neste universo os brinquedos ganham vida quando ninguém está a ver. Aceite essa regra, está tudo vem, não nenhum rompimento de lógica no filme. Em Os Outros, fantástico filme fantástico, somos gentilmente enganados e quando chegamos ao fim rendemo-nos à inteligência do guião, e ficamos com vontade de ver o filme outra vez e verificar como o realizador espalhou pequenas pistas que condizem com o desfecho.
Em Para Além da Vida há uma contradição constante, não há qualquer lógica interna, todo o filme é um buraco de argumento. O realizador tem a ambição de provocar uma ambiguidade. Só que esquece-se que essa ambiguidade não pode ser conseguida quebrando a lógica interna da narrativa. A dúvida é se quando Liam Neeson tem realmente o poder de falar com os mortos ou se os corpos que lhe chegam ainda estão vivos. Tudo é de tal forma confuso e disparatado, que somos forçados a chegar à conclusão que nem uma coisa nem outra. Porque nessa tentativa de forçar a ambiguidade o realizador espalha dados que se contrariam e impedem ambas as hipóteses. Morre apenas o filme.