PRÓS
Mesmo sem o isco de uma grande estrela associada ou de um naufrágio mundialmente apregoado, desta vez James Cameron arriscou tudo (altos orçamentos, um investimento de 14 anos, e a sua reputação pós-Titanic com seus 11 Oscars a bordo). Esteve no topo das bilheteiras, no cimo das mais avançadas tecnologias, nos píncaros dos custos e também no cume de todos os retornos financeiros. É, sem dúvida, o filme-fenómeno que marcou o ano de 2009 com um tom indelevelmente azul na’vi. Galgou-se uma etapa na ficção científica, tal como há 33 anos Georges Lucas o fizera com Star Wars. Criou-se um novo modelo de câmara, leve e ágil, que roda simultaneamente em duas e três dimensões, monitores virtuais que permitiram a visualização dos actores e das cenas como elas seriam de facto no filme, azuis e já na sua tridimensionalidade.
(Na realidade, os actores actuavam envergando uma espécie de fato de mergulhador coberto de sensores.) Foi à Weta Digital, produtora de efeitos especiais de Peter Jackson, na Nova Zelândia, que Cameron foi buscar aquele software sem rival, que interpreta os movimentos corporais e cada microexpressão facial dos actores com uma precisão anatómica muito refinada, mais ainda do que em King Kong ou Gollum – o que quase nos impede de distinguir o que é real do que é processado digitalmente.
A academia não costuma ser imune a esta megalomania tecnológica. Geralmente, os Globos de Ouro antecipam os Oscars e Avatar ganhou os globos para Melhor Filme e Realizador. Para além do mais, apesar de ter sido concebido ainda na era Bush, é um filme com uma mensagem politicamente correcta, pacifista, ecologista e, sobretudo, anti-imperialista e antimilitarista. Mais do que todos os efeitos especiais e pirotecnia de encher o olho, a floresta luxuriante do planeta Pandora foi considerada a mais convincente recriação de um mundo artificial, no ecrã. E a academia não resiste a romances improváveis. Em Titanic, um jovem do porão apaixona-se pela rapariga da primeira classe. Aqui vai-se mais longe, há um romance interespécies: um terráqueo apaixona-se por uma alien. No fundo, a love story de Titanic reaparece aqui: um plebeu apaixona-se por uma princesa. Hollywood gosta disso. Se Avatar não levar a estatueta de melhor filme é caso para soar um perplexo Aaaaahhh! por todo o Kodak Theatre.
CONTRAS
Ao contrário da tridimensionalidade da imagem, as personagens têm a espessura de figuras de cartoon. Não há zonas cinzentas nem ambiguidades, esta é uma história de bons e maus. A história pode ser, por vezes, infantilizante, para agradar às plateias alargadas que procuram ser entretidas, sem grandes questionamentos. De um filme do tipo Dança com Lobos, em que o marine se passa para o lado dos índios na’vi, e até se torna muito amigo, não de lobos, mas de dragões alados, de repente vemo-nos perante um registo Pocahontas e Rei Leão. Mas isto até a Academia pode perdoar. O mais invulgar é receber-se o Oscar para Melhor Filme sem que o guião nem nenhum dos actores que nele participam estejam nomeados. Tal só aconteceu em 1933, com Grand Hotel. Talvez seja este o mais vulnerável calcanhar-de-aquiles de Avatar.