Maria Luís Albuquerque chegou ao Parlamento Europeu com um discurso de cinco páginas, escrito para se apresentar aos deputados como tendo o perfil certo para ser a próxima comissária para os Serviços Financeiros, Poupanças e Investimentos da União. A apresentação começou com o seu currículo e, sem surpresa, a antiga ministra das Finanças de Pedro Passos Coelho entende que o seu passado nos tempos da troika em Portugal são um trunfo.
“Do meu passado, gostaria de sublinhar o meu tempo como ministra das Finanças, uma vez que coincidiu com a maior crise económica que a União Europeia alguma vez viu”, disse, depois de se ter apresentado como “uma economista de formação, com mais de 30 anos de experiência em economia e finanças”.
Se para consumo interno, o discurso do PSD associa o resgate financeiro feito pela troika em 2011 como o corolário das políticas de José Sócrates que levaram o País à bancarrota, Maria Luís Albuquerque fala em Bruxelas da crise portuguesa como uma consequência de uma grande crise financeira global.
A lição da troika
“Como se devem lembrar, os impactos da grande crise financeira e a subsequente crise na zona euro foram particularmente duros no meu país. Eu lembro-me das intensas e difíceis negociações em Portugal e em Bruxelas e das decisões muito difíceis que tivemos de tomar. E estou profundamente consciente da dimensão do sofrimento imposto a demasiadas pessoas em Portugal, e em toda a União Europeia, durante esses anos difíceis”, disse, dizendo ter retirado dessa época uma importante lição.
“Aprendi uma lição essencial desses tempos sombrios: a estabilidade financeira será sempre um pré-requisito para uma economia forte e competitiva, uma economia que consiga servir os cidadãos e a sua prosperidade”, afirmou.
Portas giratórias? Maria Luís não vê incompatibilidades
Não foi preciso esperar muito para que as questões sobre o seu percurso profissional aparecessem e, com elas, as dúvidas sobre a forma como usou as portas giratórias entre o setor público e o privado.
Maria Luís Albuquerque não se deixou pressionar. Confirmou que trabalhou na Arrow Global Company depois de ter saído do Governo e que acumulou esse emprego com o trabalho como deputada na Assembleia da República, mas afastou a ideia de que isso possa ser uma fragilidade no seu percurso ou dar um sinal de promiscuidade.
“Isso foi avaliado pela Comissão de Ética da AR, que concluiu que não havia incompatibilidade”, respondeu Maria Luís Albuquerque, dando nota de uma decisão tomada por essa comissão na sequência de um pedido seu para que se pronunciasse sobre a matéria.
De acordo com o relatório da subcomissão, assinado pelo relator Paulo Rios (do PSD) e divulgado pelo jornal Expresso, a atividade de Maria Luís Albuquerque no comité de risco e auditoria da Arrow Global “não só não constitui uma atividade regulada, como são as do sector financeiro, nem tão pouco cai na alçada dos reguladores da supervisão do mesmo sector”. Segundo a lei portuguesa, só haveria incompatibilidade se a empresa tivesse sido privatizada, beneficiado de incentivos financeiros fiscais ou de benefícios fiscais de natureza contratual com o Estado.
O “longo cadastro” dos swap às privatizações
“A sua longa experiência é um longo cadastro”, atacou a eurodeputada do BE, Catarina Martins, que também recuperou a polémica dos swap, contratos de alto risco financeiro feitos pela Refer, empresa em que Albuquerque trabalhou como diretora financeira, entre 2001 e 2007, antes de entrar no Governo como secretária de Estado. Embora os swap que esta empresa adquiriu tenham sido considerados não problemáticos pela Agência de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, cinco deles foram cancelados, com a Refer a pagar 12,5 milhões de euros às instituições financeiras pela sua liquidação antecipada.
“Qualquer pessoa que trabalha num banco sabe que as decisões de venda de crédito não passam pelos titulares das pastas das finanças, relativamente à Refer eu desconheço a fonte da informação, mas o resultado dos swaps deu um benefício superior a 40 milhões para a empresa”, retorquiu a candidata a comissária.
Maria Luís Albuquerque também desvalorizou as críticas às privatizações pelas quais foi responsável enquanto ministra das Finanças, incluindo a TAP e a ANA. Albuquerque desvalorizou até o facto de o Tribunal de Contas ter concluído que a venda da ANA à Vinci foi ruinosa para o Estado, aludindo a projeto de decisão daquele órgão que acabaria vencido e ao qual o Governo só terá tido acesso no âmbito do processo de contraditório. “Por razões que ainda não percebi, foi substituída por uma análise menos positiva”, disse.
Numa audição durante a qual, por várias vezes, Maria Luís Albuquerque assumiu não ter ainda respostas para as questões mais técnicas dos eurodeputados, a candidata a comissária em algumas vezes até usou um tom ligeiro para responder.
“Tenho três filhos e não faço ideia de quando conseguirei que eles saiam de casa”, disse quando questionada sobre as dificuldades de acesso dos jovens ao crédito bancário para a compra de casa. Depois do humor, acabou por dizer que há trabalho a fazer para alavancar o investimento em mais construção e no acesso ao financiamento bancário.
O fantasma do BES
O BES foi outro fantasma do passado que veio assombrar a audição de Maria Luís, lembrado pelo eurodeputado do PCP, João Oliveira, que atacou também a forma como o mandato desenhado para esta comissária passa pelo incentivo aos esquemas de pensões em fundos de investimentos, uma opção que o comunista considera lesiva dos interesses dos pensionistas e uma forma de entregar as pensões à “roleta da especulação”.
“Opomo-nos à sua nomeação porque as políticas servem os grandes interesses financeiros, mas não servem os interesses dos povos europeus, incluindo os portugueses”, atacou João Oliveira.
“Se [em 2014] tivéssemos uma União Bancária teríamos, de facto, impedido que se tivesse usado dinheiro dos contribuintes na resolução do banco de que falou, cujas origens estão a ser julgadas em tribunal – estamos a falar de fraude”, respondeu Maria Luís, que fez a defesa do mercado de capitais como uma forma de aumentar a riqueza que poderá depois ser distribuída em salários e através de maiores receitas fiscais.
De resto, Maria Luís Albuquerque defende que é importante reforçar o mercado de capitais na União Europeia. “As empresas e os investidores, incluindo os investidores de retalho, estão a sair para os EUA porque não encontram, aqui, aquilo que encontram lá – um mercado que funciona”, disse, omitindo os apoios de Estado que têm sido dados às empresas nos Estados Unidos durante a administração Biden.
De resto, a audição foi marcada por várias respostas vagas. Com Maria Luís a dizer que “a inteligência artificial apresenta riscos e oportunidades” ou que a “a lavagem de dinheiro tem de ser combatida”.