A 24 de maio de 2022, um tiroteio na escola primária Robb que resultou na morte de 21 pessoas, incluindo 19 crianças, chocou o mundo e colocou novamente a discussão da violência armada em destaque. Um comité especial já foi lançado na Câmara dos Deputados dos EUA para investigar o sucedido, mas o massacre de Uvalde não parece ter sido um acontecimento único, assumindo-se antes como uma chamada de atenção para a violenta realidade vivida atualmente no país.
Apenas nas duas semanas que se seguiram ao tiroteio no Texas, cerca de 730 pessoas foram mortas, nos EUA, a tiro em 43 dos 50 estados que constituem o país, incluindo 23 crianças e 66 adolescentes. De todos os incidentes ocorridos desde então, 34 foram tiroteios em massa que resultaram na morte de quatro ou mais pessoas, de acordo com dados do Gun Violence Archive.
A audiência do Comitê de Supervisão da Câmara dos Deputados dos EUA intitulada “A necessidade urgente de abordar a epidemia de violência armada” vem responder à realidade cada vez mais marcada pela violência armada do país. O objetivo, a irradicação desta problemática, embora comum, continua a dividir republicanos e democratas, nomeadamente no que toca a como fazê-lo. As vítimas do massacre de Uvale foram convidadas a partilhar o seu testemunho durante a audiência da Câmara, incluindo Miah Cerrilo, a sobrevivente de 11 anos que se cobriu no sangue do seu colega e fingiu estar morta para se proteger.
Apenas cinco dias dos que se sucederam à tragédia de 24 de maio registaram menos mortes do que as 21 divulgadas após o tiroteio, ou seja nos 15 dias posteriores ao massacre de Uvalde, 10 registaram mais de 21 mortes diárias resultado da violência armada, como destaca uma análise realizada pela Sky News.
A maioria dos incidentes, como destaca o mesmo órgão de comunicação, resulta da escalada de um desentendimento seja na rua, em situações de violência doméstica ou mesmo resultado de um confronto com a polícia. No mesmo dia do tiroteio de Uvalde, um jovem de 15 anos foi morto por outro de 19 após um confronto à porta de casa. Esta é apenas uma de muitas histórias que retratam a violência armada vivida atualmente nos EUA e apenas um dos 33 acidentes que ocorreram no 24 de maio, o mesmo dia do massacre ocorrido na escola primária texana.
As mortes por tiroteio têm vindo a aumentar ao longo dos anos com 2021 a apresentar os níveis de violência armada mais elevados. Se entre os anos e 1970 e 2015 a média era de cerca de 35 mortes ou ferimentos anuais, em 2016 esse número triplicou para mais de 112 com a tendência a ser a de um contínuo aumento. Isto porque, e segundo a análise da Sky News do Centro de Defesa e Segurança Interna dos EUA, 2022 está a preparar-se para ser ainda mais sangrento que o ano anterior o que, de facto, acontecerá caso o número de tiroteios que marcaram os primeiros seis meses do ano se mantenha na segunda metade do mesmo.
Os EUA apresentam, atualmente, números muitos superiores à média global no que toca a armas e violência armada. A média global do número de armas de fogo por pessoa é, por exemplo, de 6 para cada 100 pessoas, sendo que nos EUA existem cerca de 120 armas de fogo por cada 100 pessoas, de acordo com dados partilhados pela Small Arma Survey.
Uma pesquisa levada a cabo pela CNN mostrou ainda que o número de incidentes de tiroteio em escolas registado entre 2009 e 2018 nos EUA foi 288, o maior número a nível global, enquanto que o segundo maior número, registado no México, foi de apenas 8. Em 2020, o risco de morte infantil por tiroteios era superior a qualquer outra causa de morte e quase 53 pessoas eram mortas diariamente por uma arma de fogo, um aumento de cerca de 75% comparativamente ao começo da década, de acordo com dados do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças.
O aumento dos tiroteios parece acompanar-se também pelo aumento da posse de armas. De acordo com um estudo publicado pelos Annals of Internal Medicine em fevereiro, e citado pela BBC, cerca 7,5 milhões de adultos nos EUA adquiriram armas pela primeira vez entre janeiro de 2019 e abril de 2021.
À problemática da violência armada e ao aumento das mortes por tiroteios, junta-se também o aumento das mortes por suicídio, sendo que, segundo um estudo de 2016 publicado no American Journal of Public Health existe uma forte relação entre os níveis mais elevados de posse de armas num dado estado e as taxas mais elevadas de suicídio por armas de fogo aí registadas.
Ainda assim, e segundo um estudo desenvolvido pela Gallup e citado pela BBC, apenas 52% dos cidadãos dos EUA que participaram no estudo disseram querer leis mais rígidas no que toca à posse de armas, enquanto 35% afirmaram que as leis deveriam permanecer as mesmas. O estudo não deixou de referir também a enorme divisão partidária resultante deste tópico, nomeadamente entre democratas e republicanos. Enquanto 91% dos democratas se assume apoiante de leis mais restritas na posse de armas, apenas 24% dos republicanos partilham desta opinião.