PELAS ESQUINAS DA RUA…
Pelos adolescentes que sofrem o abandono a que são
votados por pais irresponsáveis e egoístas. MCB
Pelas esquinas da rua o adolescente procura silenciosamente.
Era um dia como qualquer outro. Ricardo segue a caminho da escola, de mochila azul no ombro descaído pelo peso excessivo de livros, cadernos e outros pertences obrigatórios em tão útil objecto de uso diário. Sabe que há professores e colegas que o esperam para um dia de estudo mas, também, para o convívio são que o Liceu Antero de Quental proporciona aos seus estudantes desde o tempo do seu bisavô. Contaram-lhe que ele é o primeiro da quinta geração da família a frequentar o Liceu de Ponta Delgada. Talvez tenha sido a avó a informá-lo de tal facto. Embora não se recorde bem, sabe que ela tem muito apreço por estes pormenores da vida.
Pelas esquinas da rua o adolescente procura silenciosamente.
Cumpridas que foram as horas preenchidas pelas aulas da manhã, em dia soalheiro de Primavera, Ricardo deveria almoçar. Mas, onde? Procura a carteira castanha e conta os trocos. – Bem…com isto posso comprar uma sopa, talvez um pão. É um solitário, em idade de enormes carências afectivas.
Pelas esquinas da rua o adolescente procura silenciosamente.
Tal como decidira, foi almoçar ao bar mais próximo. Sentou-se, pousou a mochila na cadeira ao lado e comeu lenta e distraidamente a sopa de legumes que a empregada lhe trouxe, bem como a sandes de queijo da Ilha. Enquanto o tempo se ia escoando pelas frestas do espaço barulhento e sujo, pensou na avó: – Como ela o tinha protegido tanto nos tempos do sofrimento! Quantos abraços saborosos recebera do seu coração compassivo!
Pelas esquinas da rua o adolescente procura silenciosamente.
Com a sua distracção habitual herdada de uma genética que, vinda de um tio – assim lho haviam dito – se prolongara nele incomodando-o, por vezes, em situações que requeriam um pouco mais de atenção, levanta-se de rompante ao ver que o tempo dedicado ao almoço já se cumprira e, sai enquanto o estrondo da cadeira que cai atrás de si se ouve ampliado pela interioridade a que tinha momentânea e voluntariamente votado o espírito que requeria concentração para as obrigações daquela tarde.
Pelas esquinas da rua o adolescente procura silenciosamente.
As cinco da tarde surpreendem-no com o toque da campainha que proclama o fim das aulas daquela segunda-feira. Um momento de angústia percorre-lhe o corpo estendendo-se à alma num começo de escuridão pessoal. Mas, com um voluntarismo pouco próprio da adolescência, afasta de si aquelas nuvens de medo e sofrimento e segue o caminho que o levará a casa onde a mãe o espera. Casa feita de tijolos que ao se organizarem em construção esqueceram o elemento afectivo que todo o tijolo sábio tem de comportar no seu interior para que o resultado do seu trabalho seja um lar.
Pelas esquinas da rua o adolescente procura silenciosamente.
Chegado a casa, começam os maus tratos habituais. – Palerma, não vês o teu irmão na frente?! Vai aquecer a tua comida. – Mãe, eu também sou gente… – Vai lá, o micoondas é ali, ou não sabes a quantas andas…- Não queres comer? Segue para o teu quarto, só sais de lá amanhã.
Dias e dias de mágoas a acumular-se e de feridas a sangrar. E o amor à mãe a diluir-se na contagem dos dias, meses, anos…
– Onde estará a minha avó?
Pelas esquinas da rua o adolescente procura silenciosamente.
Mais uma noite. Mais outra noite. O tempo a passar. O adolescente a transformar-se em jovem, em homem feito. Os tempos em que era governado por outros a serem substituídos pelas suas próprias forças. O amor maternal transformado em raciocínio. – Vou visitá-la hoje. O meu irmão foi tão protegido e já a abandonou. Encontra uma mulher solitária, o cabelo a embranquecer, a destruição do tempo a fazer o seu trabalho. Abraça-a. – Gosto muito de ti, mãe. Palavras pensadas a formarem sentimentos como as nuvens se transformam em chuva.
Pelas esquinas da rua o homem de nome Ricardo procura silenciosamente.
E é na noite da reconciliação que a avó, no seu jeito doce e brando, surge na esquina da rua a abraçá-lo como quem limpa de toda a dor aquele coração até aí tão sofrido pelos males que a dissolução da família fez ao mundo.
Dra. Maria da Conceição Brasil mcbrasil2005@hotmail.com
26/03/2012