Há ligações improváveis e aquela que une Anuroopa Banerjee, chef indiana, e Ksenia Naumovia, jornalista de viagens e gastronomia lituana, é uma dessas. Conheceram-se numa excursão de autocarro no Peru, quando Anu trabalhava no restaurante Isolina, depois de ter abandonado uma carreira no marketing das telecomunicações e de ter descoberto na comida um propósito de vida; e enquanto Ksenia viajava em trabalho para a Saveur russa. Quis a vida que se reunissem em Lisboa, freguesia de Campo de Ourique, para planearem a abertura de um restaurante. “Apaixonei-me por Portugal há 10 anos”, comenta Anu, sobretudo quando descobriu a palavra ‘saudade’ através do Fado, e percebeu que transmitia um sentimento que lhe era familiar. Os anos a trabalhar em cozinhas pelo mundo deram-lhe a certeza que um dia teria um restaurante próprio e Lisboa foi a cidade escolhida.
Anu cresceu na Índia, numa família nómada, fruto do trabalho do pai, ligado à engenharia de minas, que os fez percorrer o país de Norte para Sul – imagine-se o que isso reflete na aprendizagem sobre a culinária indiana. Aos 35 anos, deixou a vida corporativa para trás e meteu-se pelo mundo gastronómico. Estudou, participou em programas de televisão e cozinhou em várias partes do mundo. Ksenia mora em Lisboa há quatro anos, cidade a partir da qual trabalhava como jornalista para revistas russas, antes da invasão russa à Ucrânia. Nessa altura, foi à procura outra ocupação e lembrou-se da ideia de Anu. E assim nasceu o Journey, com um nome adequadíssimo à história das fundadoras.
A cozinha é uma soma de inspirações várias e propostas originais, todas ideias de Anu, que se abastece no Mercado de Campo de Ourique e cria a partir do que encontra à venda. Foi assim que aconteceu para desenhar um menu onde não há receio em servir um ceviche com milhos peruanos salteados em manteiga (e o sabor que ela dá ao prato?) ou em juntar bochechas de vaca com chutney de morango e uvas, servidas com ervilhas e cenouras, ou ainda em servir um croquete de bacon com cebola caramelizada e ketchup gourmet caseiro, inspirado nas croquetas espanholas. “Para criar a carta, fui ao mercado, comprei muitas coisas, fui testando receitas. Escrevia-as nos azulejos da cozinha”, conta Anu. Quando, por exemplo, chegou à fórmula final das bochechas teve de impedir que a apagassem com o pano de limpeza. “Era único registo”, diz, entre risos.
Muitos clientes, quando descobrem as origens de Anu, perguntam-lhe pelo caril na ementa. Também o faz, claro, com peixe da costa, pasta de tamarindo e pilaf de passas, mas sublinha que esta não é uma casa de caris. É uma casa para visitar o mundo, em pratos como o húmus com couve-flor assada e mistura de especiarias, vieira frita com molho de queijo e trufas ou uma bowl de grão de bico com couve-flor e ameixa, com iogurte condimentado. O menu tem conhecido algumas variações e é provável que assim continue, porque Anu vai ao mercado todos os dias escolher a matéria-prima, toda portuguesa, à exceção das especiarias, vindas do Rajastão, de uma loja que está na mesma família há mais de 200 anos. “São muito especiais.”
Os fogões do Journey acendem-se pelas três da tarde, para quem quer comer um prato mais leve, passar a beber um cocktail ou um vinho de baixa intervenção, e serve em contínuo até à noite. E vale a pena embarcar nesta viagem.
Rua Correia Teles, 38 A / ter-sáb 15h-22h