Percorrem-se os painéis de azulejos expostos e não se esconde o maravilhamento com o resultado. Folhas, flores e rostos em relevo, pintura com vidrados coloridos, jogos de transparências e movimento num azul tradicional, artesanato e perícia perpetuam um legado e ajudam a contar a história de uma fábrica que é uma referência na cerâmica portuguesa já lá vão 175 anos: a Viúva Lamego.
Na exposição Uma Perspetiva do Presente, uma Visão do Futuro, no Museu Nacional do Azulejo, em Lisboa, evoca-se essa história através da longa colaboração entre artistas e artesãos iniciada nos anos 1930. Originalmente, a oficina de olaria de António da Costa Lamego (1819-1876), fundada em 1849 na capital, começou por se dedicar à manufatura de loiças utilitárias num edifício no Largo do Intendente. Mas na viragem do século, com a sua viúva, Margarida Rosa, à frente do negócio, já tinha o azulejo como produto principal.
Uma fábrica-atelier
Numa sala do piso térreo do museu encontram-se os painéis imaginados por 17 artistas contemporâneos, resultantes de residências artísticas na fábrica, hoje situada na Abrunheira, Sintra. Vhils, Add Fuel, Kruella D’Enfer e Tamara Alves trazem para o azulejo a linguagem da arte urbana. Adriana Varejão e Manuela Pimentel estreiam-se num suporte que lhes é novo, mas não estranho, adaptando a pintura ao material cerâmico. Rita João/Estúdio Pedrita recupera a azulejaria industrial dos anos 1960 e padrões do século XVIII, enquanto Bela Silva e Hervé di Rosa representam essa onda de artistas que, a partir dos anos 50, passaram a ter os seus ateliers (os chamados “casulos”) na Viúva Lamego.
Na exposição, há ainda trabalhos da Oficina Marques (da dupla Gezo Marques e José Aparício Gonçalves), dos franceses Henriette Arcelin (ilustradora e ceramista) e Noé Duchafour-Lawrence (designer), e do suíço Noël Fischer (artista plástico). O street artist português André Trafic, a japonesa Rico Kiyosu e a croata Klasja Habjan, vencedor e menções honrosas do concurso dirigido a novos artistas, lançado no âmbito das comemorações destes 175 anos da Viúva Lamego, também têm aqui os seus painéis.
Legado para o futuro
Para enquadrar estas abordagens contemporâneas, os curadores da exposição, Rosário Salema de Carvalho e Francisco Queiroz, reuniram numa segunda sala, no piso superior, uma seleção de desenhos, estampilhas e maquetas que revelam o processo de criação dos azulejos que cobrem fachadas de edifícios públicos, decoram casas e revestem estações do Metropolitano de Lisboa.
Recorrendo ao arquivo da fábrica, e ao próprio acervo do Museu Nacional do Azulejo, encontram-se nomes como Almada Negreiros, Jorge Barradas, Maria Keil, Manuel Cargaleiro, Querubim Lapa, Cecília de Sousa, Vieira da Silva, Siza Vieira, entre outros.
Esta mesma relação “umbilical” que a fábrica tem com os artistas, arquitetos, designers e artesãos é sublinhada à VISÃO por Gonçalo Conceição, CEO da Viúva Lamego, enquanto motor de inovação de uma marca que trabalha apenas por encomenda e está presente em 30 países. “Temos um legado de quase 200 anos, mas tal não significa que estejamos parados no tempo, e que não acompanhemos as mudanças de gosto dos clientes, assim como a necessidade de alterarmos processos de fabrico e até as matérias-primas, mais sustentáveis do que as tradicionais.” Desafios a que responde uma equipa fixa de 47 trabalhadores (aos quais se juntam alguns temporários em épocas de maior trabalho). Alguns desses trabalhadores têm mais de 40 anos de casa e, entre eles, está a equipa de pintura manual, constituída na maioria por mulheres.
A exposição estará patente até ao dia 29 de dezembro, altura em que o Museu Nacional do Azulejo – o museu sob tutela do Estado mais visitado no País – encerrará as suas portas para obras de requalificação com a duração prevista de um ano.
Viúva Lamego. Uma Perspetiva do Presente, uma Visão do Futuro > Museu Nacional do Azulejo > R. da Madre de Deus, 4, Lisboa > até 29 dez, ter-dom 10h-18h > €8