Ainda mal tivemos tempo para nos recompor de Pobres Criaturas, uma versão disruptiva de Frankenstein, e já Yorgos Lanthimos nos atinge com nova investida. Histórias de Bondade é, ou quer ser, um triplo murro do estômago, que poderá deixar alguns agoniados, mas não deixará ninguém indiferente. Quando acaba a primeira história (a melhor do tríptico), ficamos absortos, a perguntarmo-nos: e agora? O que mais nos pode acontecer?
Em comparação com Pobres Criaturas, estas três histórias de bondade têm a ideia de se substituir a Deus: a omnipotência não está ao alcance dos homens, mas é perfeitamente acessível a um realizador engenhoso.
Lanthimos desenvolve em todas as histórias variantes da síndrome de Estocolmo. E em todas elas há uma ideia de manipulação elevada a limites tortuosos, levando a uma sobrevivência e dependência da vítima em relação ao agressor. Neste contexto, a primeira história ganha em elegância por o conseguir fazer sem recorrer ao sobrenatural.
Lanthimos concilia uma certa perversidade moral e estética, típica de Lars von Trier, com um arrojo misterioso e surrealista mais próximo de David Lynch. As três histórias conjugam humor negro com puro terror, tendo todos os pormenores de argumento brilhantemente desconcertante, só possível num realizador que não se incomoda de esticar os limites.
Do conceito faz parte também um jogo de elementos entre as histórias, ou seja, no tríptico repetem-se objetos, mudando-lhes os contextos, mas sobretudo os mesmos atores interpretam diferentes personagens, numa espécie de jogo de encenação. E são grandes atores. Dificilmente o filme resultaria tão bem não fossem as interpretações de Emma Stone e Willem Dafoe, habituados a trabalhar com Lanthimos, mas também de Jesse Plemons.
Yorgos Lanthimos surpreende-nos pela sua capacidade de surpreender.
Histórias de Bondade > De Yorgos Lanthimos, com Emma Stone, Jesse Plemons, Willem Dafoe, Margaret Qualley, Hong Chau > 164 min