Desde que Marjane Satrapi adaptou ao cinema a sua novela gráfica Persépolis (2007), parece que o Médio Oriente e as questões políticas e morais em volta dos países muçulmanos se tornaram um dos temas prediletos do cinema de animação autoral para adultos. Assim aconteceu, recentemente, em Flee (2021), que foi nomeado para os Oscars. Assim acontece neste A Minha Família Afegã, inspirada incursão de Michaela Pavlátová, uma das mais notáveis herdeiras da longa tradição checa em cinema de animação.
A animação não poupa recursos financeiros, mas permite recriar universos e filmar o invisível, removendo as barreiras que a imagem real impõe. Só assim A Minha Família Afegã consegue este equilíbrio, não abdicando de um fundo realista, uma vez que o tema, em si, está apegado a uma realidade concreta, ao mesmo tempo que é imaginativo, para reforçar ideias, personagens e sentimentos.
Não se trata de uma história sobre as noivas do Daesh, mas de algo porventura ainda mais complexo. Na base está uma história de amor: uma checa apaixona-se por um afegão e o casal dispõe-se a ir viver para Cabul, adaptando-se às normas sociais, machistas e misóginas da sociedade afegã. Uma experiência pesada, mesmo situando-se o filme no Afeganistão anterior ao regresso dos talibãs, quando a presença dos americanos ainda era marcante e influente.
A Minha Família Afegã começa, pois, por ser um filme de amor. Mas quase pode funcionar como um caso sociológico, em que se demonstra como o ambiente social é capaz de condicionar a forma de estar e até o pensamento dos indivíduos. Um filme feito de uma animação desenhada em moldes tradicionais, quase ao estilo franco-belga, de cores fortes, mas sempre com preceito e uma certa beleza, e um argumento construído com profundidade e rigor.
Herra é a protagonista, suficientemente intrigante, mas a grande personagem é Maad, uma criança muito especial, que só poderia ser filha do cinema animado.
O filme de animação venceu o prémio de Melhor Filme no festival internacional de animação Annecy Film Festival (2021) e o de Melhor Filme de Animação nos Prémios Cesar em França (2023)
A Minha Família Afegã > De Michaela Pavlátová, com Zuzana Stivínová, Shahid Maqsoodi e Shamla Maqsoodi (vozes) > 85 min