Tal como acontece com O Filho, de Florian Zeller, outro dos filmes na lista de nomeados para os Oscars deste ano, a principal lição ou moral que se pode, e deve, tirar de Os Espíritos de Inisherin é que as doenças do foro psiquiátrico devem ser tratadas como tal. Não deixa de ser sintomático que na corrida para os Oscars surjam dois filmes que evidenciam o tema da psiquiatria, ainda que de forma algo disfarçada.
No caso de O Filho, a patologia é camuflada por sentimentos de culpa e por trâmites psicológicos dos próprios pais; no caso de Os Espíritos de Inisherin, por um olhar caricato ou caricatural sobre a insularidade e o isolamento extremo.
Os Espíritos de Inisherin decorre numa pequena ilha na costa da Irlanda, onde irlandeses pacatos e campónios têm uma vida pacata e campónia, que passa por pastar ovelhas e beber litradas de cerveja no pub enquanto tocam e cantam música celta. No meio disto, há dois amigos que subitamente deixam de o ser, porque um deles acha que não tem tempo para perder com irlandeses pacatos e campónios e o que quer fazer o resto da vida é compor músicas celtas para violino. Isto não seria particularmente grave, não se desse o caso de se tratar de uma ilha quase deserta, onde o amigo abandonado tem dificuldades em encontrar um substituto para conversar e beber no pub. Pior ainda é que o músico sofre de um distúrbio mental tão acentuado que faz com que desate a cortar os seus próprios dedos como represália, sempre que o outro não resiste e lhe dirige a palavra.
A história é um bocado absurda, mas serve de retrato para os extremos de melancolia que por vezes atingem as populações insulares, aliados a uma certa teimosia que também caracteriza a população da ilha. Levanta questões sobre a amizade, a posteridade, a lealdade e o companheirismo, sempre com um fundo religioso marcante e momentos de humor.
Pior é que tudo isto decorre numa Irlanda de cenário, tudo no sítio certo, preparado para que personagens-tipo desfilem pela paisagem estereotipada. Nem Colin Farrell, ator de talento, consegue fugir totalmente à caricatura, o que prejudica o filme nos momentos mais dramáticos.
Os Espíritos de Inisherin, e talvez essa seja a sua maior valia, deixa-nos com vontade de rever O Vale era Verde, obra-prima de John Ford, bálsamo de nostalgia, tradição e humanidade.
Escrita e realizada por Martin McDonagh, a comédia negra tem Colin Farrell e Brendan Gleeson como protagonistas. Foi premiada com três Globos de Ouro e está nomeada para nove Oscars, incluindo Melhor Filme, Melhor Realizador (Martin McDonagh), Melhor Ator (Colin Farrell), Melhor Atriz Secundária (Kerry Condon), Melhor Ator Secundário (Brendan Gleeson e Barry Keoghan).
Os Espíritos de Inisherin > De Martin McDonagh, com Colin Farrell, Brendan Gleeson, Kerry Condon, Barry Keoghan > 114 min