António-Pedro não terá tentado fazer um Marriage Story. Até porque, naturalmente, Noel Baumbach não fará parte dos seus realizadores de referência. E isto aqui não é a América, onde os processos de divórcio se transformam em grandes negócios e filmes de advogados. A mensagem base de Km 224 é bastante mais simples: amem-se, separem-se, mas não magoem os filhos.
Km 224 parte de uma ideia original da escritora Filipa Martins, que António-Pedro alterou radicalmente, acabando o próprio por escrever o guião. Arrisca, em contracorrente, dar uma perspetiva essencialmente masculina de uma disputa parental. Embora o realizador afirme que procurou equilibrar as partes, o espectador fica inevitavelmente do lado do pai.
Na construção das personagens, serve-se declaradamente de estereótipos. O pai é um arquiteto, criativo e brincalhão, que ama a vida; por vezes, distrai-se, atrasa-se a ir buscar os filhos, mas tem bom coração e, por isso, perdoamos-lhe tudo. A mãe é rígida e calculista, não sabe brincar com os filhos, é obcecada por estabelecer regras e dar-lhes disciplina e quer tirar a custódia ao pai porque, entre outros motivos, aceitou um emprego no estrangeiro. Quem sofre, no meio disto tudo, são os filhos, que acabam por revelar (e exigir) o bom senso que os adultos não têm.
Ana Varela consegue segurar bem o papel, enquanto José Fidalgo se torna demasiado caricatural. Mas nota-se a diferença quando entra em cena um ator com a qualidade de Rui Morrison. De resto, sem rasgo, com diálogos algo banais e uma perspetiva enviesada (apesar das boas intenções), o filme, que também dará uma série televisiva e marca o reencontro do realizador com o produtor Paulo Branco, não é dos mais conseguidos de António-Pedro Vasconcelos. Com mais expectativa se aguardam os próximos passos do veterano cineasta: uma adaptação de Lavagante, romance póstumo de Cardoso Pires, e Conspiração, série documental sobre a preparação do 25 de Abril.
Veja o trailer
Km 224 > De António-Pedro Vasconcelos, com Ana Varela, José Fidalgo, Joana Africano, Sebastião Matias, Gonçalo Menino > 139 min