É difícil imaginar que em volta de uma personagem tão sombria e misantropa quanto a de Ingmar Bergman se desenvolva uma pequena indústria de turismo cultural, disposta a percorrer locais e décors habitados pelo cineasta na remota ilha de Fårö, no Sudeste da Suécia, onde passou os últimos anos da sua vida. Mas isso acontece. Os espaços estão preservados na medida do possível, a obra celebra-se, estuda-se redescobre-se, há um museu, uma loja de souvenirs, um Bergman Safari e residências artísticas e literárias. Por exemplo, é possível dormir no quarto que serviu de cenário a Cenas da Vida Conjugal – filme que, segundo os anfitriões, esteve na origem de um milhão de divórcios.
É neste cenário, ao mesmo tempo envolvente e insólito, que a francesa Mia Hansen-Løve situa o seu filme. Em A Ilha de Bergman, há um lado documental que se impõe. Nós queremos saber mais sobre aquela ilha e sentimo-nos envolvidos no próprio universo bergmaniano. Contudo, não é uma obra reverencial; pelo contrário, chega a haver um olhar irónico sobre o realizador.
Hansen-Løve centra a história em duas personagens: um famoso realizador e argumentista bergmaniano e a sua companheira, argumentista no início de carreira. Até certo ponto, é um filme sobre a inspiração e os seus mecanismos. A ilha, lindíssima no verão e ainda povoada pelos fantasmas de Bergman, tem o efeito desbloqueador de ideias e argumentos. A própria Mia dá por si a retratar a vida de um casal, próximo de Bergman, mas, na verdade, fá-lo num estilo pós-bergmaniano, em que as premissas são outras. Ao mesmo tempo, desenovela uma história de amor (o argumento que a personagem está a escrever), em que a referência a Bergman é clara. Talvez Mia tenha viajado até esta ilha à procura dos fantasmas de Bergman, para aprender a viver com eles na sua obra. Certo é que fez um belíssimo filme.
A Ilha de Bergman > De Mia Hansen-Løve, com Tim Roth, Mia Wasikowska > 112 minutos