Fernando Pessoa traçou uma biografia completa para os seus heterónimos. Contudo, não deu um ano da morte a Ricardo Reis, abandonando-o no Brasil, para onde o enviara emigrado. José Saramago, aproveitando essa lacuna, escreveu O Ano da Morte de Ricardo Reis, em que imagina o regresso a Lisboa daquele poeta, médico, amante dos poetas da Antiguidade. João Botelho, que tem trazido clássicos da literatura portuguesa ao cinema, adaptou o livro de forma rigorosa e acutilante. Há, aqui, uma concretização através da imagem: Pessoa (Luís Lima Barreto) e Ricardo Reis (Chico Diaz) passam a ter um rosto, uma voz, um estilo.
Nos últimos anos, João Botelho arriscou adaptar ao cinema obras tão importantes como Os Maias, A Peregrinação ou O Livro do Desassossego. Para cada um descobriu uma linguagem própria, uma atmosfera que condiz com o livro, mas sobretudo com a sua leitura e a justa aplicação dos meios. Para O Ano da Morte de Ricardo Reis optou por uma belíssima fotografia a preto-e-branco, que, em alguns momentos, lembra Carl Dreyer, com planos fechados, chuva, sombras, nevoeiro. E, apesar do fascínio de personagens fantasmagóricas, como Ricardo Reis e Pessoa, e os seus delírios carnais (Lídia) e oníricos (Marcenda), o ano de 1936 recebe o estatuto de personagem. Nesse sentido, faz-se uma ponte para a atualidade: esse ano de todos os perigos, com a ascensão do nazismo e do fascismo em pontos estratégicos da Europa, parece, afinal, não estar assim tão distante.
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O Ano da Morte de Ricardo Reis > De João Botelho, com Chico Diaz, Luís Lima Barreto, Victoria Guerra, Catarina Wallenstein > 128 min