O filme começa com uma belíssima paisagem de floresta ao lusco-fusco que se confunde com uma pintura naturalista, em que eucaliptos tombam da sua imensa altura, fruto de um trabalho mecânico de desflorestação (ou reflorestação). Mais à frente, o realizador mostra-nos um grande incêndio com um notável apuramento pictórico, no limite da perversidade, como que confessando uma irresistível atração pelas chamas.
O que Arde, filme galego do francês Oliver Laxe, é uma obra de profunda beleza fotográfica e inquietação humana. Há comoção na tragédia dos idosos que são retirados das casas, há heroísmo e sensibilidade nos gestos do bombeiro que que com dever cívico e carinho ajuda os proprietários, há horror simbolizado num cavalo mutilado que responde por todas as vítimas da tragédia, mas há também uma veneração poética em volta do fogo, concedendo-lhe o estatuto do mais fascinante dos quatro elementos da Natureza.
O filme conta a história de um incendiário que regressa à sua aldeia na Galiza, após dois anos de prisão. E não trata de forma pungente as dificuldades de integração social, pelo contrário: mostra uma comunidade tolerante, capaz de reinserir os seus.
Facilmente se faz uma ponte com Alva, de Ico Costa, filme estreado este ano que acompanha o crime de sangue do lado de cá da fronteira (um pouco mais a sul, nas beiras). Ambos fazem um retrato silencioso de uma personagem, com preocupações naturalistas, reforçadas pelo uso de não atores. Em ambos os casos, com um olhar aparentemente amoral, há uma tentativa de descrever o quotidiano da “besta” humana. A esse nível, Ico consegue ser mais imparcial, puramente descritivo, enquanto Oliver não resiste a dar-lhe contornos de grande humanidade.
Em nenhum dos filmes nos são dadas grandes pistas para entender o crime, o que se torna incomodativo, desconcertante e, ao mesmo tempo, interessante em termos narrativos. Queremos entender, mas não chegamos lá.
Veja o trailer do filme:
O que Arde > De Oliver Laxe, com Amador Arias, Benedicta Sánchez, Inazio Abrao > 86 minutos