É preciso recuar a 1933, para encontrar o registo do primeiro drive–in nos Estados Unidos da América. A projeção de filmes ao ar livre tornou-se popular nas décadas seguintes, mas até hoje ninguém tinha adaptado a ideia a um espetáculo de ilusionismo. No próximo dia 5 de junho, Luís de Matos apresentará um espetáculo de magia interativo em formato drive-in, no seu Estúdio33, em Ansião. Num parque de estacionamento, com capacidade para 100 carros, o público terá apenas de sintonizar a frequência rádio indicada e desfrutar do espetáculo, regressando depois a casa. À VISÃO Se7e, o ilusionista conta como nasceu este passe de mágica e revela alguns truques que tem na manga.
Como é que surgiu a ideia de criar um espetáculo de magia num parque de estacionamento?
Há anos que venho trabalhar para o Estúdio 33, das nove às seis da tarde. Chego, estaciono o carro e nunca me tinha sequer passado pela cabeça usar este espaço para montar um espetáculo. A necessidade de criar e manter-me à tona, levou-me a refletir sobre os meios que tinha à minha disposição. Percebi que além de um espaço com uma área brutal, a 90 minutos do Porto e de Lisboa, tinha comigo uma equipa coesa, pronta a trabalhar. Neste momento, há um jejum enorme, por parte das famílias em isolamento, de simplesmente entrarem num carro e darem uma volta, de partilharem emoções com outras pessoas. O drive-in é uma solução que lhes permite continuarem isoladas, para lá das paredes de casa, e verem um espetáculo que, espero, as fará sonhar.
Esta situação de incerteza aguçou a criatividade da equipa?
Ao fim de 25 anos a trabalhar com a minha equipa, apercebo-me que os momentos de maior inovação foram sempre motivados por uma sensação de incerteza. Por vezes, causada por um novo paradigma, outras vezes por novos desafios, mas também pela simples reinterpretação daquilo que nos circunda. Um artista tem a obrigação de ser contemporâneo, isto é, de interpretar o tempo em que vive.
Isso significa encontrar soluções inovadoras?
Sim. Na minha área, em particular, o próprio espetáculo é como se fosse um problema que precisa constantemente de soluções inovadoras. Por exemplo, quando sonho uma ilusão, uma impossibilidade que quero fazer acontecer no palco, tenho de encontrar uma solução para a tornar real que não seja evidente, que seja tudo menos o que as pessoas possam sequer imaginar.
Como é que se cativa alguém que está dentro de um carro?
Primeiro, temos de começar pela base, ou seja, criar uma experiência que seja absolutamente segura e controlada, em termos higiénicos, e que essa segurança transpareça para as pessoas. O público, para desfrutar do espetáculo, tem de sentir-se seguro. Há um check-in à entrada, no qual não é preciso sequer abrir a janela do carro, depois há uma sequência de estacionamento que assegura uma boa visibilidade para todos e é proibido abrir a janela, mesmo estando os carros a dois metros uns dos outros. A própria duração do espetáculo é a suficiente para criar uma linguagem narrativa com princípio, meio e fim, sem obrigar as pessoas a ficar dentro do carro mais de uma hora e dez minutos.
Os espetáculos de magia costumam ter muita interação com o público. Como é que isso será possível nestes moldes?
Criámos um sistema através do qual o som do espetáculo é emitido numa áudio frequência que é captada pelo rádio dos carros, com ótima qualidade. Quanto àqueles truques em que, por exemplo, peço a alguém do público para dividir um baralho, escolher uma carta, mostrar ao restante público e baralhar, não vão poder acontecer nos moldes normais. Neste momento, estou muito próximo de conseguir fazer a mesma coisa, mas comigo no palco a escolher uma viatura ao acaso, pedindo a um dos seus ocupantes que me ligue em alta voz para que o restante público possa ouvir a conversa. Manterei um diálogo com esse espectador, pedindo-lhe que pense numa carta qualquer. O meu trabalho é demonstrar que, ainda assim, consigo saber que carta foi a escolhida.
Estão a preparar o espetáculo à distância?
Nesta fase, temos reuniões por Zoom, mas também presenciais, no parque de estacionamento, nas quais implementamos não só o distanciamento físico, mas também outras regras. Todos os colaboradores desinfetam as mãos e as solas dos sapatos à entrada do estúdio, e têm de usar luvas e máscara.
A equipa adaptou-se bem ao novo método de trabalho?
Em fevereiro, começamos a preparar aquilo que estava absolutamente garantido que ia ser uma tournée europeia de 23 semanas, em 23 capitais ou grandes cidades da Europa. Só íamos descansar no verão, tínhamos o contrato assinado, posters espalhados por todas as cidades, sete ou oito espetáculos agendados para cada uma, salas de três a cinco mil lugares quase cheias, algumas já esgotadas. Tivemos de repensar tudo. A vantagem é que, sendo uma equipa pequenina, é muito mais fácil e rápido definir novas estratégias, implementar procedimentos e chegar a um consenso.
Vai ser difícil voltar à normalidade?
É um tempo perigoso, muito impactante e violento não só fisicamente, mas também de uma brutalidade psicológica que, necessariamente, vai deixar mazelas. O mundo das artes e do espetáculo foi um dos primeiros a parar e será um dos últimos a recomeçar. O que se compreende perfeitamente, mas não deixa de ser duro. Há uns dias, li um artigo inglês a propósito da forma como a pandemia afeta este sector. O autor interrogava-se: sink or swim? É esta a pergunta que temos de nos pôr, agora: escolhemos afundar ou continuar a nadar? Quem escolher afundar tem, neste momento, as condições ideais para o fazer, porque tudo empurra nesse sentido. Nadar é uma escolha sem qualquer garantia, fazêmo-lo sem saber por quanto tempo nem quando haverá terra à vista. São tempos de exceção que nos fizeram ganhar uma consciência maior da nossa própria fragilidade.
Vale a pena lutar para avançar, conscientes desta fragilidade?
Claro, acho maravilho que existam coisas que nos fazem correr. No limite, corremos para ganhar um ordenado e pôr comida na mesa. Mas quando a corrida se faz por algo mais forte, e se pode fazer com outras pessoas, ganha uma nova dimensão. Ficaria muito feliz se outros artistas adaptassem a sua arte a este modelo de drive-in e corresse bem. A capacidade de reinventar faz-se por tentativa e erro, é a única forma de pôr em marcha este regresso à vida.
Luis de Matos Drive in > Estúdio 33, Parque Empresarial do Camporês, Ansião > 5 jun, sex 22h > €50 (carro)