As obras de arte que enchem a sala de exposições da Casa-Museu Medeiros e Almeida são um registo material da arte ao serviço dos outros. Ao longo de quinze dias, seis artistas isolaram-se de Lisboa e abriram-se ao mundo, na tentativa de prestar homenagem ao que de mais humano pode haver na produção artística. Tudo partiu de uma inquietação partilhada pela pintora Mafalda D’Oliveira Martins, o escultor José Sottomayor e o ator e encenador Martim Mesquita Guimarães. “Todos nos perguntávamos como é que poderíamos pôr a nossa arte ao serviço da comunidade”, conta Martim, salvaguardando que “era importante fazê-lo de uma forma que extrapolasse o domínio cultural, que servisse realmente as pessoas”. Juntos idealizaram o Pousio, um projeto de residências artísticas vocacionadas para o serviço social em comunidades envelhecidas e em situação de isolamento. Aos criadores do projeto juntaram-se os pintores João Massano e Maria Luisa Capela e o escritor Duarte Bénard da Costa, que fizeram da assistência à comunidade da aldeia de Cachopo, no concelho de Tavira, Algarve, a artéria condutora da ação artística. A experiência foi ainda registada num vídeo de Xavier Solano, artista convidado.
Através do lar de idosos e do serviço aos domicílios, os artistas foram entrando na vida dos aldeões, zeladores de histórias e tradição. “Permitiu-nos criar uma relação de confiança com as pessoas, fazê-las perceber que estávamos ali por uma boa razão”, conta a pintora Mafalda D’Oliveira Martins. Da relação humana, construída sobre uma confiança mútua, nasceram retratos da vida na aldeia, da dificuldade em ser-se velho longe de tudo, mas também do orgulho de ter histórias únicas para contar.
D. Antonica olha-nos a partir de uma das telas de Mafalda; o Zé dos Campos sorri com traços fortes de carvão; as histórias da D. Rosa enchem páginas, recolhidas por Duarte; uma anciã é alimentada através de uma sonda no vídeo performance de Martim e na pintura de João; as velas de um moinho ou as alfaias agrícolas são contadas nas esculturas de papel e gesso de José e as cores do Algarve repousam nas telas de linho de Maria Luísa.
As obras apresentadas refletem trocas culturais vividas ao longo dos quinze dias de residência, num tributo à sabedoria popular e aos habitantes do interior que, segundo Mafalda, “produzem coisas únicas, belas e profundas que não sabem ser arte”.
O Pousio procura agora novos residentes que queiram juntar-se aos atuais e embarcar na próxima estadia, ainda sem local nem data definidos. Por enquanto, e até este sábado, 18, os rostos, as mãos, os olhares e as histórias, que cobrem as paredes da exposição, mostram a razão que levou seis artistas a deixar Lisboa e adotar o interior algarvio como casa temporária.
Barbeito > Casa-Museu Medeiros e Almeida > R. Rosa Araújo 41, Lisboa > T. 21 354 7892 > até 18 jan, seg-sáb 10h-17h > grátis