A ocasião tinha sido promovida nos jornais locais e o povo respondeu em massa. Em 1917, cento e cinquenta mil pessoas juntavam-se na Baixa do Porto para assistir a uma proeza inédita: dois acrobatas escalam a Torre dos Clérigos e, já lá em cima, tomam chá com bolachas, para atirar depois, sobre a multidão, panfletos que propagandeavam as bolachas Petit Beurre Invicta. Um Chá nas Nuvens, assim se chamava a campanha publicitária, foi uma ideia de Raul de Caldevilla (1877-1951), fundador da Invicta Filmes e precursor da publicidade em Portugal. O filme seria mais tarde projetado em várias salas de cinema e foi feito um cartaz ilustrado que integra agora a exposição Raul de Caldevilla – Cartazes de Sonho, promovida pela Academia Portuguesa de Cinema, em parceria com o Museu da Publicidade, e que pode ser vista até 12 de fevereiro na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa.
Filho de espanhóis, nascido no Porto, Caldevilla ligou as várias áreas da publicidade: o cinema, filmes institucionais, os exteriores. Em 1914, funda a Empreza Técnica de Publicidade (ETP), primeira agência de serviço completo no País – que juntava a criatividade a um serviço gráfico de vanguarda – a produzir cartazes de dimensões até então nunca vistas, e pioneira na introdução da publicidade na rua, tornando-se célebre quando começou a afixar cartazes publicitários nos tapumes das obras (os primeiros outdoors).
Provenientes das coleções da Cinemateca Portuguesa, Tomé de Barros Queiroz, José Guilherme Vitorino, entre outras coleções particulares, a exposição reúne 100 cartazes dos filmes que Raul de Caldevilla produziu (e para outros da época), e de publicidade a produtos e serviços. Estão divididos por núcleos – Cinema, Águas e Termas, Vinhos, Seguradoras, Moda e Calçado –, destacando-se ainda alguns dos artistas, portugueses e estrangeiros, que Caldevilla contratou, como Maria Keil, Francisco Valença, Fred Kradolfer ou Martins Barata. Os cartazes que datam dos anos 10 do século XX apresentam imagens e slogans humorísticos, muito populares na época. Da mesma altura são os cartazes realizados por Diogo de Macedo, a evidenciar a figura feminina, e o conhecido ilustrador e caricaturista italiano Leonetto Cappiello – que nos anos 20 desenhou os cartazes para os vinhos do Porto Ramos Pinto – já em 1914/1916 tinha criado posters para a ETP, de Caldevilla. A representar os anos 20 estão os cartazes referentes ao turismo e ao setor automóvel, como as novas marcas de pneus que contribuíam para maior segurança na estrada.
Em simultâneo, na Cinemateca Portuguesa, decorre um pequeno ciclo de cinema a revelar a faceta de realizador, argumentista, publicitário, produtor e distribuidor de Raul de Caldevilla. Já esta quinta, 25, a partir das 19 horas, exibe-se O 9 D’Abril, registo mudo de 1921, de autor não conhecido, sobre a homenagem prestada aos milhares de soldados portugueses mortos na batalha de Amrmentières, no norte da França, a 9 de abril de 1914. Segue-se A Rosa do Adro, segundo filme realizado pelo francês Georges Pallu para a produtora de cinema Caldevilla Filmes. A sessão seguinte está marcada para a segunda, 29, também a partir das 19 horas, com As Pupilas do Senhor Reitor, frutuosa incursão de Maurice Mariaud por exteriores minhotos, assim descreve o texto da Cinemateca, numa bucólica versão dos amores cruzados de Clara e Pedro, Margarida e Daniel do romance de Júlio Dinis. Ambas as sessões têm acompanhamento ao piano.
Raul de Caldevilla – Cartazes de Sonho > Sociedade Nacional de Belas Artes > R. Barata Salgueiro, 36, Lisboa > T. 21 313 8510 > até 12 fev, seg-sex 12h-19h, sáb 14h-20h > entrada livre > Ciclo Raul de Caldevilla > Cinemateca Portuguesa > R. Barata Salgueiro, 39, Lisboa > T. 21 359 6262 > 25, qui, 29 jan, seg 19h > €3,20