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Filomena Gigante, Patrícia Queirós, Luísa Calado e Ângela Marques compõem o elenco
Lucília Monteiro
Como se mede um passo, de pés descalços, com cinco cadeiras à cabeça? E se falarmos de caminhadas de dezenas quilómetros, pela madrugada dentro, com pouco mais do que um pão e lascas de bacalhau seco para matar a fome? Aquilo que parece inimaginável, foi protagonizado pelas mulheres carreteiras, figuras basilares nas primeiras décadas da indústria do mobiliário, no Vale do Sousa. Tempos de miséria, de sobrevivência tostão a tostão, ganho com o transporte de pequenos móveis para o Porto, Póvoa de Varzim, Lamego e outras localidades em redor. O espetáculo Mulheres Móveis recuperará estas histórias, feitas de lágrimas e de dor, mas também de riso e de muita camaradagem.
Fernando Moreira já tinha tropeçado nestes relatos, contados pela mãe e pela avó. Segundo o diretor artístico da Astro Fingido, companhia sedeada em Paredes, cujos espetáculos procuram dialogar com o território onde se inserem, “o papel vital destas mulheres, no início desta indústria, nunca tinha sido investigado e permanecia invisível”. Aos homens cabia o trabalho de marcenaria, enquanto às mulheres pertencia o despacho do carrego, da família e do campo. A partir dos testemunhos recolhidos junto de carreteiras e do imaginário do poeta italiano Tonino Guerra, Fernando Moreira construiu a dramaturgia. “É um espetáculo emocional, mas não posso dizer seja triste”, descreve. “Havia um espírito de solidariedade muito forte entre as carreteiras, que passa para o palco”, sublinha o também encenador. No caminho, feito sempre em grupo, tudo dividiam. Até o par de chinelos que tinham de calçar quando entravam no Porto, para fugir à multa da polícia.
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Maria, Maria da Conceição, Alice e Palmira… Quatro das antigas mulheres carreteiras cujos testemunhos inspiraram a dramaturgia
Lucília Monteiro
Para Palmira Castro, 84 anos, com o primeiro carrego desfez-se a meninice. “Era uma criança, as lágrimas caiam”, recorda. Tinha 14 anos e levava vestida a blusa preferida, de fazenda, enfeitada com folhos, mas o percurso até Guimarães (cerca de 50 km, se nos fiarmos na previsão viamichelin) com um roupeiro na cabeça foi de tal forma violento que a blusa ficou em pedaços. “Impressionou-me o espírito de sacrifício e a resistência destas mulheres”, confessa Luísa Calado, a amatriz (como prefere dizer, já que esta é a sua primeira experiência profissional no palco) que interpreta uma das quatro personagens. “Tinham todas as razões para serem amarguradas e, no entanto, valorizavam as pequenas coisas e viveram momentos felizes, de uma inocência e singeleza impressionante”.
O relato das aventuras de Maria da Conceição, 77 anos, aos jornalistas, é acompanhado por uma gargalhada solta. Passa a mão pela cabeça e mostra a falha no cabelo (“nunca mais nasceu”), provocada pela estribeira, uma espécie de pano com que prendiam o mobiliário, normalmente pequenas peças, como cadeiras, mesinhas ou floreiras. “Tinha muita força, se conseguisse deitar a mão ao peso, levava, se não o meu pai não me obrigava”, conta. Começou os carregos aos 7 anos e terminou pouco depois de casar (como a maioria das mulheres), dedicando-se aos 10 filhos. Aos netos, incrédulos, conta vezes sem conta essas memórias. “Tenho saudades do tempo antigo, a gente ria e chorava”, confessa. Afinal, os carregos ficaram para sempre, gravados na alma.
Fundação A Lord > R. da Cooperativa, 27, Lordelo, Paredes > T. 22 444 7357/ 93 213 1955 > 8-9 abr, sex-sáb 21h30 > €3
Palácio do Bolhão > R. Formosa, 342, Porto > T. 22 208 9007 > 21-23 abr, sex-sáb 21h30, dom 16h > €10
Oficina Municipal do Teatro > R. Pedro Nunes, Quinta da Nora, Coimbra > T. 239 714 013 > 20 mai
Quinta da Caverneira > Av. do Pastor Joaquim Eduardo Machado, Águas Santas, Maia > T. 22 208 4014 > 27 mai
Cineteatro Municipal de Serpa > R. Dr. Eduardo Fernandes de Oliveira, Serpa > T. 284 543 050