São 12 mulheres e chegam com violinos, violoncelos e contrabaixos. Mónica Calle olha-nos de frente e conta-nos o que ali as trouxe, antes de deixarem instrumentos, sapatos e roupas no chão e voltarem a enfrentar-nos, nuas, de pé, ao centro do palco. O Bolero, de Ravel, há de ritmar o movimento daquela massa de corpos que se forma em cena. Costas direitas, pescoço esticado, mãos para baixo, olhos fixos e concentrados, braços que aos poucos se levantam, dedos dos pés a aguentarem o peso quando os calcanhares se erguem – ei-las, totalmente vulneráveis, mas fortes e corajosas.
Não é fácil manter o ritmo, aguentar a posição e a exposição, mas ninguém disse que seria. Tal como não houve promessas de que conseguissem, mais à frente, aguentar-se em pontas nas sapatilhas de ballet. Nem que, depois, fossem capazes de fazer soltar a 7ª Sinfonia, de Beethoven, das cordas daqueles instrumentos.
É esse exatamente o caminho percorrido neste Ensaio para uma Cartografia, o projeto que Mónica Calle começou em 2014, a partir de Os Sete Pecados Mortais, de Brecht, e de A Boa Alma, de Luís Mário Lopes, e que agora se materializa num novo espetáculo. Ali, connosco na plateia, cada uma delas e todas juntas hão de ser resilientes, resistir e superar-se. “Tentamos trabalhar com materiais que não são os nossos, como a música e a dança clássica, para vermos onde nos leva e irmos ao encontro do que é essencial, seja a nível artístico seja a nível pessoal”, diz Calle, que entrou nesses universos pela mão de Luna Andermatt.
Para Ensaio para uma Cartografia chamou o maestro Rodrigo B. Camacho. Em cena, ouvimos os ensaios de orquestras, dirigidos por Leonard Bernstein, Sergiu Celibidache e Zubin Mehta – vozes mais ou menos rudes, mais ou menos suaves, a desconstruir a música que há de pôr aqueles corpos femininos em esforço. Nunca ali se procura o êxito, mas antes uma certa “liberdade da tentativa”, como lhe chama a atriz e encenadora, uma mistura entre esforço e transcendência, um abismo para onde nos leva o constrangimento e a vontade de conseguir.
“Trabalhamos com a dificuldade e com o erro, aceitamo-los, mas sem condescendência e lidando com as frustrações”, reforça Mónica Calle, para quem este projeto prolongado no tempo é uma forma de resistir a uma arte em modo acelerado. “O essencial surgirá desse confronto connosco, com os nossos corpos, as nossas almas, e com o que é o gesto artístico. É um caminho coletivo e também individual de cada uma de nós, mas acredito que seja também o caminho particular de cada espectador,” acredita.
Ensaio para uma Cartografia > Teatro Nacional D. Maria II > Pç. D. Pedro IV, Lisboa > T. 21 325 0800 > 23 mar-9 abr, qua 19h30, qui-sáb 21h30, dom 16h30 > €12 > 27 mar, seg 21h30 > grátis