Antes, envergavam vestes com as espadas a aparecer por debaixo dos mantos. Agora, usam quispos e selfie sticks a prolongar o braço. Antes, a rua larga – a primeira da cidade a ser calcetada, com as casas modulares suportadas por colunas altas – estava repleta de negociantes. Chamava-se Rua Nova dos Mercadores. Agora, mesmo ao lado, uma praça larga, traçada a grandes arcadas, está repleta de turistas. Chama-se Praça do Comércio. A exposição A Cidade Global – Lisboa no Renascimento, que inaugurou esta quinta, 23, no Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), parte de dois quadros renascentistas, retratos da Lisboa mercantil da era dos Descobrimentos, multicolor, exótica, que tinha colocado um ponto final à vida medieval. O regresso a este momento importante na história da cidade ajuda-nos não só a contextualizar o novo momento de viragem em que se encontra como nos permite pensar Lisboa com sentido de futuro.
A capital portuguesa foi recentemente identificada nos dois quadros (de autor flamengo desconhecido) a partir das ilustrações do Livro das Horas, de D. Manuel I, monarca que chegou a ter um rinoceronte a banhos no rio Tejo, considerado “a maravilha de Lisboa”. As pinturas e o livro encontram-se na sala à esquerda do átrio de entrada, que funciona como antecâmara da exposição, com direito a vídeo explicativo. À direita, inicia-se o percurso por cinco núcleos expositivos. No primeiro, vemos objetos e quadros que interagem no uso de elementos de multiculturalidade. “Estes núcleos mostram como os outros nos veem a nós, e como o mundo rasgou a visão que passámos a ter de nós”, diz o diretor do MNAA, António Filipe Pimentel. “Também fomos novidade para os outros. Descobrimo-los e eles descobriram-nos.”
As salas seguintes recriam a “rua mais rica do mundo”: a novidade da porcelana vinda da China; “os têxteis, um mundo de cores e euforia, vindos da China ou da Índia”, nas palavras de Pimentel; artigos de luxo como o cofre de madrepérola e prata que guarda as relíquias de São Vicente; o inventário da casa e das joias de um rico mercador chamado Simão de Melo Magalhães; ou um módulo dedicado à nova iconografia de flora e fauna, com a representação em tamanho real de um rinoceronte. O que se banhava no Tejo foi oferecido por D. Manuel ao Papa, transportado numa nau até Itália, naufragou à chegada e morreu afogado.
A Cidade Global – Lisboa no Renascimento > Museu Nacional de Arte Antiga > R. das Janelas Verdes, Lisboa > T. 21 391 2800 > até 9 abr, ter-qui, dom 10h-18h, sex-sáb 10h-20h > €6 (grátis 1.º domingo do mês)