Em 1953, Alejandro Jodorowsky decidiu partir do seu Chile natal para Paris. Tinha 24 anos e o objetivo de conhecer e conviver com André Breton, Marcel Marceau e outras grandes figuras da cultura europeia. E já antes, contra mil vontades, havia decidido ser poeta, não como quem escolhe uma ocupação ou um ofício, mas como quem opta por um estilo de vida, da mesma forma que faz um padre ou um ermida. Entregou-se à poesia de corpo e alma, provavelmente sacrificando o primeiro em prol da segunda, contrariando a vontade dos pais e desafiando a sociedade em que se inseria, numa crença intrínseca no belo e no etéreo.
Tudo isto encontramos em Poesia Sem Fim, a segunda parte da autobiografia surrealista e ficcionada do grande poeta, desenhador e realizador chileno Alejandro Jodorowsky, a sequência de La Danza de la Realidad, de 2013, e que retratava apenas a infância. Apesar dos filmes poderem ser vistos autonomamente sem grande prejuízo, o segundo começa onde o primeiro acaba. Juntos fazem um maravilhoso díptico biográfico da juventude do realizador, eloquentes obras de cinema poético, de um surrealismo fora de moda, mais próximo de Fellini do que de Buñuel, com um elevado grau de beleza e pureza.
Poesia Sem Fim é um libertador hino à imaginação e ao encanto das palavras, resposta radical ao materialismo comum às nossas sociedades, declarando que não há valor mais alto do que o impalpável. Todo o percurso do jovem Alejandro não é contado de forma realista, mas através de um colorido painel de alegorias, em que as palavras ganham uma proporção avassaladora, em detrimento das ações. Ou melhor, tudo é poesia. E a vida é desfrutada de forma ainda mais poética do que as palavras escritas: como a decisão de, por os poetas terem um estatuto semidivino, atravessarem a cidade em linha reta, sem se desviarem de qualquer obstáculo.
A juventude de Alejandro Jodorowsky assemelha-se, assim, a um sentido espetáculo de circo, uma dança com a vida e com a morte, um inconformismo estético, uma recusa do real em nome de uma realidade paralela feita da matéria dos sonhos.
Jodorowsky dedica Poesia Sem Fim ao seu amigo Michel Seydoux, que apoiou financeiramente o seu filme anterior, La Danza de la Realidad. Agora, Poesia Sem Fim foi financiado através de uma eficaz campanha de crowdfunding.
Poesia Sem Fim > De Alejandro Jodorowsky, com Adam Jodorowsky, Pamela Flores, Brontis Jodorowsky, Leonard Taub e Alejandro Jodorowsky > 128 min