Vai a meio a promessa de Faustin Linyekula de trazer a Lisboa os trabalhos que marcaram os seus 15 anos de carreira como bailarino e coreógrafo. “Com cada um deles, houve sempre uma pequena janela que se abriu”, disse o Artista na Cidade 2016, que, desde o princípio do ano, tem mostrado por cá aquilo que tem vindo a desenvolver em Kisangani, no Congo, onde funciona a sua companhia, os Studios Kabako. Já o vimos dançar nos bairros da Cova da Moura, da Amoreira e de Chelas, tal como já lhe seguimos os movimentos (e o pensamento) nos palcos de vários teatros e centros culturais lisboetas. Agora, está de volta para um último round. Durante o próximo mês, apresenta mais cinco espetáculos, participa numa conferência sobre o seu trabalho e fecha o ciclo com a antevisão de um documentário que testemunha a sua relação com Lisboa.
É do ano passado a peça O Festival das Mentiras, que estará no Jardim de Inverno do Teatro Municipal São Luiz, esta sexta, 28, e sábado, 29. Nela, Faustin Linyekula olha para a história do Congo entre a independência de França, em 1960, e a chegada ao poder de Kabila, em 1997, depois de Mobutu. Inspirado por um conto de Luís Sepúlveda sobre uma aldeia em que, uma vez por ano, todos se juntam e passam uma noite a dizer mentiras, o coreógrafo reflete em palco sobre a história, não só do seu país, mas do mundo. “A história oficial que é posta na cabeça das crianças é a história do vencedor. E pode ser um grande festival de mentiras, na verdade”, provoca. Em Lisboa, será apresentada a versão mais curta (cerca de duas horas), num festival onde não faltará uma banda a tocar, comida e bebida. “Para contar e ouvir histórias, é preciso estar confortável”, justifica. Depois, são os discursos que se cruzam e contradizem em cena: os pomposos, proferidos por políticos, que falam de grandiosidades que só eles conhecem, e os de quem vive o quotidiano do país, com os seus hábitos, misérias e medos. Também no São Luiz, nos dias 2 e 3 de novembro, Faustin Linyekula subirá ao palco ao lado de Raimund Hoghe, em Sem-Título, uma coreografia criada para ele pelo bailarino e coreógrafo alemão. Uma “dança-manifesto” sobre os que não têm “direito de estar presentes: sem patente, indocumentados, sem títulos de permanência, em trânsito entre dois países, dois mundos, duas culturas”.
More More More… Future já passou pelo Teatro Municipal Maria Matos no final de 2009, ano em que foi criada, e regressa agora, desta vez para encher o Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, nos dias 10 e 11 de novembro. Conta Faustin Linyekula que, depois de ter refletido sobre o passado, quis olhar em frente. “Pensei: ‘como um foguetão, vamos para o espaço, ver se existe algures um planeta chamado futuro’. E como só nos podemos projetar para o futuro com o que temos hoje, vi que no Congo um dos espaços onde se sonha é a música.” Em cena, ao som de Ndombolo, um género de música e dança que anima as noites Kinshasa, cria um verdadeiro concerto (há bateria, baixo, guitarras, duas vozes e três bailarinos) e fala do que se passa no seu país – aquele em que, como descreve, dizer que não há futuro é ser mainstream. “Se queres ser subversivo naquele contexto deves antes ser construtivo e pedir mais mais mais futuro.” É exatamente isso que faz em cima do palco.
Na semana seguinte, a 18 e 19 de novembro, o Centro Cultural de Belém apresenta dois dos seus espetáculos numa única sessão: Triptyque sans Titre e Statue of Loss. No primeiro, Linyekula volta a evocar as noites de Kinshasa, cheias de personagens de um país em ruínas; no segundo, faz uma homenagem a 32 soldados congoleses que combateram nos campos de batalha europeus, defendendo a Bélgica que os escravizara. “Fiquei chocado com uma enorme exposição que vi sobre a I Guerra Mundial, no Museu do Exército em Bruxelas, em 2014. A referência aos soldados congoleses era mínima, quando, na verdade, 300 mil estiveram envolvidos na guerra e cerca de três mil homens morreram (nem se sabe o número de mulheres mortas). E pensei: não podemos mudar esta injustiça, mas podemos falar destes 32 que estavam na Europa, é importante dar-lhes nomes e não os reduzir a estatísticas”, afirma o coreógrafo.
Esse será o último espetáculo da programação do Artista na Cidade 2016, mas haverá ainda tempo, a 20 de novembro, para Faustin Linyekula participar numa conferência com a crítica e ensaísta de dança Isabelle Danto sobre o seu trabalho. African Bodies European Looks acontecerá no Palácio do Príncipe Real, inserida no festival Temps d’Images Lisboa, que também apresentará nesse dia a antevisão do documentário Nunca as minhas mãos ficam vazias, de Miguel Munhá, que acompanhou o bailarino e coreógrafo em Lisboa.
O Festival das Mentiras > Teatro Municipal São Luiz > R. António Maria Cardoso, 38, Lisboa > T. 21 325 7650 > 28-29 out, sex-sáb 19h > €5 a €12
Sem-Título > Teatro Municipal São Luiz > R. António Maria Cardoso, 38, Lisboa > T. 21 325 7650 > 2-3 nov, qua-qui 21h > €5 a €15
More More More… Future > Av. de Berna, 45A, Lisboa > T. 21 782 3700 > 10-11 nov, 21h > €15
Triptyque Sans Titre + Statue of Loss > Centro Cultural de Belém > Pç. do Império, Lisboa > T. 21 361 2400 > 18-19 nov, sex-sáb 21h > €5 a €15
African Bodies European Looks + Nunca as minhas mãos ficam vazias > Palácio Príncipe Real > Pç. do Príncipe Real, 19 > 20 nov, 17h > grátis