As personagens tratam-se por “Vossa Excelência”, com uma deferência simulada. “Dão demasiada importância à sua própria voz”, há de salientar Gonçalo M. Tavares, o autor de O Bem, o Mal e o Assim-Assim, levado à cena pelo Teatro Pé de Vento, numa coprodução com o Teatro Nacional S. João. À terceira colaboração com o autor, a companhia teve à sua disposição um texto ainda não publicado, composto pelas ininterruptas falas entre dois sujeitos (interpretados por Rui Spranger e Valdemar Santos), em redor da natureza do bem e do mal.
“Os diálogos são, no fundo, uma espécie de monólogos”, explica o encenador João Luiz. Fala-se para passar o tempo e iludir o vazio, evitando confrontos. “Isto é um produto da sociedade atual, perdeu-se a tolerância ao outro e o prazer da especulação intelectual, as pessoas não se ouvem e, quando falam, é para demonstrar que ainda existem”, continua.
O espetáculo reflete um mundo sem alicerces, perto do desmoronamento, onde “bem e mal estão muitas vezes obscenamente misturados”, sublinha Gonçalo M. Tavares. Fica-se num enorme assim-assim, sem se vislumbrar uma saída daquele cenário, uma espécie de fábrica em ruínas. “É um registo mais irónico do que realista, a metáfora do vazio é o ruído”, aponta João Luiz.
Já Maria João Reynaud, responsável pela dramaturgia, observa como “a paródia dos diálogos platónicos faz ressaltar as contradições e os paradoxos de um pensamento em constante deriva”. Vagueia a peça entre referências, desde o teatro do absurdo de Beckett à crítica mordaz de Pirandello. E, na ausência de uma narrativa, fica o poder evocativo do jogo de palavras, revelador da incapacidade de agir e de decidir destes sujeitos.
O Bem, o Mal e o Assim-Assim > Teatro Carlos Alberto > R. das Oliveiras, 43, Porto > T. 22 340 1910 > 21-30 out, qua 19h, qui-sáb 21h, dom 16h > €10