O tempo cronológico. O tempo meteorológico. O tempo musical. A ambiguidade da palavra “tempo” dá azo a múltiplas interpretações. E é nessa indefinição que se joga o “tempo incerto” da mais recente criação da Companhia Nacional de Bailado. “Pode ser o tempo que se quiser”, afirma João Penalva, responsável pela direção, cenário e figurinos do espetáculo coreografado por Rui Lopes Graça, , Quinze Bailarinos e Tempo Incerto. O artista plástico revela que, no seu caso, dá primazia ao tempo musical incerto “porque não há regularidade rítmica” na banda sonora composta pelo músico David Cunningham. Sons urbanos, alguns deles difíceis de identificar, ou o ruído de uma tempestade sugerem cenários apocalípticos ou redentores.
Em palco, os bailarinos tecem uma “renda de bilros” – nas palavras de João Penalva – profundamente hipnotizante. Os delicados maillots brancos colados aos corpos expõem a força e a fragilidade de cada um dos 15 bailarinos, ao delinearem cada músculo. Os movimentos de clara inspiração clássica fazem-se e desfazem-se aos olhos dos espectadores numa fuga permanente do que parece que vai ser e nunca é.
A incerteza faz, assim, parte de todo o espetáculo, mas isso não é motivo para ansiedade. Afinal, a “regra número um” do encontro entre Penalva e Lopes Graça era “escapar à narrativa” e “oferecê-la aos espectadores”. “A coreografia não tem nada de narrativo ou ilustrativo em relação ao som nem em relação à cenografia. São percursos paralelos que funcionam em conjunto e isso faz com que as pessoas, em função da sua experiência pessoal, possam criar a sua própria narrativa”, explica Rui Lopes Graça.
Inspirado no clássico “ballet branco”, sem história, o espetáculo pode ser uma viagem às emoções mais íntimas de cada espectador ou uma experiência de puro deleite estético. O despojado cenário, um fundo preto que reflete os bailarinos e devolve o olhar dos espectadores, mostra que uns e outros estão em palco. “As luzes de boca de cena, habitualmente direcionadas para o palco, estão viradas para a plateia. Essa inversão pareceu-nos interessante porque tudo neste espetáculo faz perguntas”, diz João Penalva que, com esta produção, regressou às memórias da sua carreira de bailarino, nos anos 70, época em que passou pela companhia de Pina Bausch. Cabe ao espectador descobrir, também, o caminho que mais bem sirva as suas memórias. Ou a sua imaginação.
Teatro Camões > Passeio do Neptuno, Parque das Nações, Lisboa > T. 21 892 3470 > 13-23 out, qui-sex 21h (exceto dia 20, às 15h), sáb 18h30, dom 16h > €5 a €30