Nascido em 1951, António Ole poderia contar as histórias importantes que assolaram o continente africano (e não só) nas últimas décadas. E, à sua maneira, o artista angolano, que estudou cinema e cultura afro-americana nos Estados Unidos e hoje vive em Luanda, tem-lo feito, criando um notável corpo de trabalho. Um património de referência para gerações de artistas africanos, que o integrou no circuito internacional, quebrando a barreira da dita arte periférica, aliás, hoje em ascensão. Testemunhando utopias e distopias em vários suportes, que incluem pintura, desenho, escultura, colagem, instalação, fotografia e filme, que não desdenham a utilização de objetos encontrados na rua, Ole trabalha sem perder de vista a realidade – seja esta simbólica, material, social. E sem abdicar de mergulhar na tradição artística angolana, na cultura popular, nas manifestações de sobrevivência e na inventividade informal, no quotidiano urbano.
Uma das suas séries mais emblemáticas revela isso mesmo: em torno do conceito de township walls, isto é, paredes de musseque (bairros de lata), trata-se de um conjunto de trabalhos em que o artista recria a “pele” das cidades que foi conhecendo (Lisboa teve direito a uma township wall, em 2004), criando superfícies texturadas, com portas, janelas, sinais de trânsito, posters, materiais pobres dos subúrbios como chapas onduladas, restos e rastos. Murais urbanos que falam de fronteiras delimitadas e de guettos, de classes sociais, e também de história pós-colonial. Estas paredes são um texto passível de leituras, jogam com o espaço – e derrubam fronteiras entre o que está fora e o que está dentro do museu, o que pode ou não ser arte. Uma inspiração para qualquer street artist, diga-se. A arquitetura, e sobretudo a fluidez que esta evidenciou no território africano, é um dos temas fortes na sua obra. Ole começou por fotografar os musseques logo na década de 1970, documentando o processo de independência do país, captando imagens da população e das casas criadas com materiais de todos os feitios. A sua pintura e escultura também reclamaram esta materialidade construtiva, este “texto” tridimensional: muitos trabalhos têm camadas e rugosidades, denunciando um gesto artesanal.
Como se olhássemos para paredes descascadas – a cidade a manifestar-se, a história em construção. Luanda, Los Angeles, Lisboa explora as ligações geográficas e biográficas de António Ole a estas cidades, sem esquecer outros temas como o mar, a ilha, a cidade. Atravessam-se várias décadas, revelando ainda uma produção menos conhecida: a filmografia, iniciada após a independência de Angola, em 1975, e prolongada em 1980 e 1990. E há obras emblemáticas, caso da série Paisagem Doméstica (1974), em que arte e colonialismo falam de África, ou da instalação Margem da Zona Limite (1994-95), barcaça dividida de papel, tijolos, pássaros. Este sábado, 17, às 16h, poderá ouvir-se António Ole em conversa com as curadoras Isabel Carlos e Rita Fabiana.
Luanda, Los Angeles, Lisboa > Museu Calouste Gulbenkian – Coleção Moderna > R. Dr. Nicolau de Bettencourt, Lisboa > T. 21 782 3474 > 17 set-9 jan, qua-seg 10h-18h > €10