É tudo em tons de castanho e cinzento neste palco. Um chão feito de placas de metal oxidado, cadeiras e mesas com partes em ferro, tijolos de betão, gaiolas de arame penduradas de uma estrutura de ferro no teto. “Aqui neste lugar já não se é feliz”, observa Marta Carreiras, responsável pela cenografia de A Lição, a peça de Ionesco que Miguel Seabra encena no Teatro Meridional, em Lisboa. A música de Rui Rebelo e o desenho de luz de Nuno Meira tornam o ambiente ainda mais sombrio, de destruição e desolação.
Ali, à casa de um professor, chegará uma menina para ter uma lição. Será recebida pela empregada Maria e passará por aulas de raciocínio matemático e dedutivo e também de filologia – preleções de lógica absurda ou não seria esta uma peça de Ionesco que Miguel Seabra quis tornar ainda menos realista mas, ao mesmo tempo, ainda mais brutal e a falar diretamente para a realidade dos nossos dias. “Este texto é extraordinário e muito atual. Fala de pedagogia e de um sistema de ensino que ainda hoje está em voga e que ignora o indivíduo, mas fala sobretudo de poder e dominação, da força da palavra e da forma como se apaga o outro através da manipulação do suposto saber”, afirma o encenador, que queria voltar ao palco e aqui contracena com as atrizes Elsa Galvão e Sara Barros Leitão.
Nest’A Lição confrontam-se um professor autoritário e uma aluna frágil, um homem agressivo e uma jovem vítima, sempre sob o olhar e proteção de uma velha empregada. Escrito depois da Segunda Guerra Mundial, a peça de Ionesco – “provavelmente o primeiro texto fascista”, sublinha Miguel Seabra – é hoje, acredita o encenador, “híper contemporânea”. “Aqui manipula-se, usando a argumentação em detrimento da razão, coisa que na política se faz sempre e facilmente. Espezinha-se o outro, há abuso de poder e ódio”, aponta, acreditando que “o teatro é uma forma fantástica de comunicação e de alerta”.
A Lição > Teatro Meridional > R. do Açúcar, 64, Beco da Mitra, Lisboa > T. 21 868 9245 > 13-31 jul, qua-dom 22h > €5 a €10