‘9 Capas P’ró Zeca do José Santa-Bárbara’. Porreiro

Uma exposição com capas dos discos de José Afonso, criadas pelo designer-pintor com longo currículo José Santa-Bárbara. Para ver na Associação José Afonso, em Lisboa, até final de junho

Sílvia Souto Cunha

“Lê os poemas”, era a resposta de Zeca Afonso a José Santa-Bárbara quando este lhe perguntava que ideias tinha para a capa do disco que ia ilustrar, recorda o designer de 79 anos à VISÃO Se7e. “Estou a pensar fazer isto, Zeca”, dizia Santa-Bárbara. Zeca respondia: “Tu é que sabes.” No fim, o cantautor gostava do resultado: “Porreiro.” Desta amizade resultaram nove capas para álbuns essenciais de José Afonso: Cantares do Andarilho (1968), Contos Velhos Rumos Novos (1969), Traz Outro Amigo Também (1970), Cantigas do Maio (1971), Eu Vou Ser Como a Toupeira (1972), Venham Mais Cinco (1973), Enquanto Há Força (1978), Fados de Coimbra Outras Canções (1981) e Como Se Fora Seu Filho (1983).

São capas imaginativas, líricas, desarrumadoras da perspetiva, em diálogo com as canções. Obras que fugiam ao grafismo pobre, do “artista em pose e pouco mais”, então vigente, e que evocavam a formação em escultura e pintura do autor – também criador das capas dos discos com os temas-senha da Revolução dos Cravos, E Depois do Adeus e Grândola Vila Morena. Aqui, contam-se histórias, políticas e íntimas. A capa de Traz Outro Amigo Também tem, entre os retratos antigos, um de Zeca com um dedo à frente. “Fizemos essas fotos numa photomaton, em Alvalade. O Zeca lá se sentou, mas os óculos estavam sempre a descair-lhe do nariz, e a Zélia, sua mulher, teve de os endireitar…”.

Em Eu Vou Ser Como a Toupeira, a figurinha do animal foi retirada de um dicionário ilustrado: “Li aí que a toupeira era ‘pessoa que trabalha para subverter as instituições etc’, algo que, no tempo do fascismo, tinha outra ressonância. Reproduzi a frase na capa. O lápis azul não deve ter reparado…”. Mostram-se ainda estudos para capas, provas tipográficas, manuscritos originais ou datilografados e “cheios de emendas” de Zeca, o texto Santa-Bárbara, Capista de Zeca, escrito por Fernando Assis Pacheco… E uma dezena de fotografias tiradas por Patrick Ullman durante as gravações de Cantigas do Maio, em França. Numa delas, Zeca, José Mário Branco e Francisco Fanhais pisam a gravilha do jardim do estúdio: estavam a gravar os passos ouvidos em Grândola Vila Morena.