Mandar fazer marinas onde basicamente não havia água valeu ao ministro das obras públicas, Álvaro Vieira Branco, três meses de prisão por suspeita de práticas de corrupção, tráfico de influências, participação económica em negócio, prevaricação e abuso de poder. O suficiente para depois poder regressar a casa com a pulseira eletrónica no tornozelo. “Esta é uma obra de ficção e qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos e instituições da vida real é mera coincidência”, lê-se no início de Prisão Domiciliária, com um episódio novo a cada sexta-feira na plataforma de streaming Opto. E são tantas as semelhanças com os escândalos de corrupção no País.
“Gosto de histórias com personagens fortes. Este personagem é o compilar de uma série de estilos de corruptos que existem no nosso País”, diz Patrícia Sequeira, realizadora e criadora da ideia original. A personagem interpretada por Marco Delgado é um “animal feroz, que também consegue ser afável”. Tem um lado boçal e excêntrico de quem assume viver acima das suas possibilidades, um sentido de humor ácido, mas também se sente sozinho por ter sido abandonado pelo partido. É um homem “dado aos prazeres da vida” e será através do gosto pela gastronomia que se vai humanizar e tornar igual aos outros cidadãos.
Ao longo dos oito episódios desta sátira política vamos vendo os esquemas a serem orquestrados mesmo a partir de dentro de casa. Nunca vamos considerar este ex-governante inocente. “A ficção dá-nos a oportunidade de entrar em casa de um político corrupto e ver a sua família a desmoronar-se e em algum momento até gostar dele”, descreve a realizadora. Mas, a verdade, é que à volta de Álvaro Vieira Branco, todos se sentem em cativeiro. A mulher Raquel (Sandra Faleiro) é presidente de uma fundação que está sem fundos para seguir com o trabalho, as mensalidades das escolas dos dois filhos adolescentes estão atrasadas, a mãe (Valerie Bradell) que vendeu a casa, tendo ficado “sem um penico” e que já fez “sacrifícios suficientes” pelo filho, quer mudar-se para a luxuosa mansão, o motorista, amedrontado para trás e para a frente com envelopes cheios de dinheiro, está sem dormir e sem “talento para manter a boca fechada”. Ao seu núcleo mais próximo juntam-se o advogado David Rebelo Morais (Afonso Pimentel) e o antigo assessor Bernardo Góis (Filipe Vargas), que mantém ligações com o governo.
Este foi um projeto filmado recentemente – durante quatro semanas em fevereiro, em pleno confinamento – mas que nasceu há 10 anos. Em crise e com a necessidade de ter orçamentos ainda mais reduzidos, Patrícia Sequeira pensou que uma próxima ideia teria de concentrar uma boa história, num único espaço – mesmo que depois tenho escolhido filmar num palácio, como o do Hotel da Lapa, em Lisboa. Patrícia não teve dúvidas em convidar João Miguel Tavares para escrever o argumento. “Era preciso alguém com sentido de humor, que perceba de política, dando às pessoas política de forma que se entenda”, explica. Mais tarde, o quarteto de jornalistas que assina o guião ficaria formado com Catarina Moura, Rodrigo Nogueira e Tiago Pais.
Entretanto, “fomos atropelados pela realidade”, diz a autora. Seja pela francesa (quando terminaram as gravações Nicolas Sarkozy, ex-presidente francês foi condenado a três anos de prisão por corrupção e tráfico de influência), seja pela portuguesa, com o desenrolar da instrução da Operação Marquês. “Vou processar a realidade por ter imitado a ficção”, brinca. E, quando questionada sobre se os políticos portugueses poderão reagir com alguma indignação à série, Patrícia é perentória: “Nós também ficamos quando eles são corruptos.” Alegadamente.
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Prisão Domiciliária > Oito episódios, um novo a cada sexta-feira> Opto/SIC