Ainda nos estamos a acomodar na cadeira e somos surpreendidos com uma sardinha assada no prato, de ar apetitoso. Apressamo-nos a saboreá-la para depois nos deliciarmos com mais uns exemplares. Pela frescura, pele crocante e sal no ponto certo, arriscamos dizer que estas foram as melhores sardinhas assadas que provámos.
Servidas à discrição, com preço fixo de dez euros, são, nesta altura do ano, um dos pratos com mais saída no restaurante O Bejinha, em Sines. A melhor forma de saber o que está disponível a cada dia é espreitar a banca de peixe, logo à entrada, ou então deixar-se ficar nas mãos de João Beja, 35 anos, que, juntamente com o pai, Carlos Beja, de 73, gere esta casa desde 2006, quando era apenas um pequeno snack-bar de apoio à Docapesca.
João faz questão de nos dar a provar ainda a barriga de atum, as lulinhas com cebola e a garoupa temperada com alho, tudo vendido ao quilo. E só por isso já tinha valido a pena fazer os 160 quilómetros que nos distanciam de Lisboa. Convém avisar que o Bejinha só serve almoços e não aceita reservas, não se estranhando, portanto, que a partir das 11h45 já se vejam clientes na fila, a aguardar pela sua vez. “Na semana passada, servimos uma média de 136 almoços por dia”, contabiliza João.
O sucesso da casa deve-se à frescura do peixe, apanhado horas antes, mas também ao talento do senhor Joaquim, 73 anos, ou Chico Canhonha, como é mais conhecido o mestre da grelha. “Sem ele, isto não existia”, diz João, acrescentando que “todo o peixe passa pelas suas mãos, até porque da cozinha só saem as batatas cozidas e as saladas”. Ali, nem as empilhadoras que transportam as caixas do peixe nem a confusão envolvente do porto de pesca demovem os clientes de esperar entre uma e duas horas por mesa.
Da Docapesca ao castelo, a pequena (mas íngreme) subida ajuda-nos a fazer a digestão do repasto. Ainda do lado de fora, juntamo-nos a alguns turistas que posam junto à estátua do navegador Vasco da Gama, nascido em Sines, para a fotografia da praxe. Já no interior das muralhas, além da vista sobre a praia que leva o nome do descobridor do caminho para a Índia, conseguimos ter uma perspetiva desta cidade portuária e industrial, onde se destacam as grandes chaminés das fábricas.
Tradição e modernidade
No Largo do Castelo, ninguém fica indiferente ao entra-e-sai da pastelaria Vela d’Ouro, ponto de encontro de sinienses e turistas. Lá dentro, é visível a azáfama, mas, graças ao serviço de senhas, ninguém passa à frente. Nesta casa com mais de cinco décadas, há bolos para todos os gostos; porém, são os famosos Vasquinhos, bolinhos de amêndoa, gila e doce de ovos, criados para homenagear o navegador, que conquistam a atenção. “Nos anos 60, havia muita amêndoa nesta região”, lembra Manuel Fernandes, 82 anos, um dos quatro irmãos proprietários da Vela d’Ouro, justificando o uso deste fruto seco noutra criação original, a Jardoa, que leva também doce de ovos e chocolate. Na placa em frente à esplanada, pode ler-se “Largo do Castelo popularmente designado por Largo dos Galegos”, uma referência aos pais de Manuel, explica o próprio, nascidos na região de Mangualde.
No centro histórico, o Centro de Artes de Sines (CAS), edifício concebido pelo atelier Aires Mateus e finalista do Prémio Mies van der Rohe em 2007, destaca-se pelas suas linhas modernas, combinando a robustez da pedra com a transparência do vidro. Por estes dias, expõe trabalhos de Pedro Gomes, artista nascido em Moçambique. Distribuída por três salas, a mostra Múltiplo de Múltiplo, desenvolvida para o CAS, debruça-se sobre a arte e a arquitetura, através do traço e da cor. Depois de Sines, onde fica patente até ao dia 9 de setembro, rumará ao MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, em Lisboa. Além da área de exposições, o centro conta com uma biblioteca e o novo Pátio das Artes, que abriu no verão de 2022 e está preparado para receber iniciativas culturais ao ar livre – até ao final de outubro, haverá concertos, horas de conto e workshops.
Já fora de portas, na Casa Preta, também pertencente ao CAS, a intervenção de arte urbana assinada por Skran, nome artístico de Ricardo Delaunay, faz-nos abrandar o passo. Na pintura, vê-se o rosto de Al Berto, poeta que passou a infância e a adolescência nesta cidade da costa alentejana. Seguindo pela Rua Teófilo Braga, encontram-se as antigas mercearias A Primorosa, ao estilo art déco, e A Portugueza, forrada a azulejo, com o símbolo da República no topo. Não sobreviveram à era dos supermercados, mas vale a pena apreciar as suas fachadas.
A resistir ao tempo está a livraria A das Artes, que em 2023 celebra 20 anos. “A ideia era abrir uma livraria em cada concelho do litoral alentejano”, conta-nos Joaquim Gonçalves, 67 anos, licenciado em Arqueologia, com uma passagem pelo jornalismo. Um convite na área da assessoria levou-o até Grândola, onde fundou, com outros sócios, a Lugar das Letras. Dois anos depois, trocou Grândola por Sines, onde abriu a A das Artes.
Às novidades do mercado editorial e fundos de catálogo juntam-se atividades culturais, como apresentações de livros, peças de teatro, espetáculos de dança, horas de poesia e de contos. Por aqui já passaram, entre outros, António Chainho, os Moonspell, José Luís Peixoto (que Joaquim conhece desde o seu primeiro livro), Sérgio Godinho e David Murray, saxofonista de jazz americano, que aproveitou a vinda ao Festival Músicas do Mundo para lançar, nesta livraria, um disco e um filme autobiográfico.
Terra de bem comer
Há 14 anos, Inês Oliveira deixou a profissão de enfermeira, em Lisboa, para vir abrir, juntamente com o pai, o restaurante Cais da Estação, no armazém de mercadorias da antiga estação de caminhos de ferro de Sines. “Mantivemos a traça industrial original para respeitar a história deste local; o portão e os tetos são réplicas fiéis dos originais”, afirma a proprietária do Cais da Estação e também do restaurante Marquês, em Porto Covo. Ao peixe do dia, como robalo e sargo, entre outras sugestões, junta-se a comida de tacho, feita com sabor e no ponto certo pelos cozinheiros de mão-cheia Gracinda Domingos e João Freitas. Depois das entradas – camarões na frigideira, casquinha da sapateira, pimentos recheados com sapateira e atum e amêijoas à Bulhão Pato –, rematamos a refeição com um arroz de lingueirão com choco frito, a especialidade da casa e de prova obrigatória.
Desde abril que é possível subir ao Bar à Vista, o terraço no topo do hotel Sines Sea View, inaugurado em novembro de 2022. A vista de 360 graus leva-nos direitinhos ao mar, mas também ao porto de pesca, ao casario e à zona industrial da cidade. Na hora de escolher o cocktail, ficamo-nos pelo San Francisco, sem álcool, preparado com sumo de ananás, laranja e pêssego e finalizado com groselha, muito fresco, como pedem os dias de verão. Todas as quartas e sábados, até ao final da estação, entre as 17h30 e as 20h30, há música ao vivo.
Movidos pelas vistas de Sines, rumamos ao novo Sausalito, que junta o serviço de café, restaurante e bar com uma esplanada virada para o mar. Além de servir pequenos-almoços e brunch (destacam-se o café de especialidade e as panquecas), tem uma ementa de petiscos e pratos principais pensados para o almoço e o jantar, como choco frito com pico de gallo e costeletas de borrego com migas e legumes salteados. Já ao final do dia ou depois do jantar, são os cocktails que fazem prolongar a visita.
Tanto mar
A norte de Sines, a menos de cinco minutos de carro da Docapesca, temos a sensação de estar num outro lugar. A cidade dá lugar a uma paisagem mais selvagem sobre o areal da praia do Canto Mosqueiro. “O mar, aqui, pede cautela”, alerta Filomena Mendes e José António Silva, o casal com quem nos cruzamos no passadiço pedonal, inaugurado em 2021, que gosta de vir caminhar para este lado por ser “mais bonito e tranquilo”.
Além de recuperar o acesso à praia, evitando que se pisem as dunas, este passadiço de madeira, com cerca de um quilómetro e meio, trouxe mais estacionamento. Sentados num dos bancos, ao som das ondas, perdemo-nos a olhar o grande areal que se estende até Troia.
Sines tem praias admiráveis, umas com grandes areais, outras pequenas, enquadradas por falésias, que importa visitar. Na praia de Morgavel, em São Torpes, não fosse o vento forte, ficaríamos mais tempo a apreciar o pôr do sol com um pé dentro de água.
Do outro lado da estrada está o restaurante Arte e Sal, virado para o mar. Quem nos recebe é Carlos Barros, 73 anos, que está na banca ao lado do grelhador a arranjar um robalo. Depois de lhe retirar as escamas e de o abrir ao meio com uma faca bem afiada, segue para a grelha. “Aqui, há tradição de escalar o peixe. Além de os clientes preferirem assim, também grelha mais rápido”, comenta o cozinheiro e proprietário.
Durante o jantar, Carlos, juntamente com a sua sócia e ex-mulher, Ana, lembram como tudo começou. O “bichinho da restauração”, dizem, nasceu ainda em Lisboa, onde abriram o Ópera, “um dos primeiros sítios a servir refeições até às duas horas da madrugada”. No final de 1992, e já em Sines, aventuraram-se com o Migas, entretanto encerrado, assente nos pratos que se faziam na região, mas dando-lhes outra apresentação. “Percebemos que Sines era mar, tínhamos de ter um restaurante de peixe. Então, arriscámos com o Arte e Sal”, conta Carlos, sócio da mítica discoteca Sudwest, em Vila Nova de Milfontes.
Na ementa do Arte e Sal, quem manda é o peixe fresco, servido grelhado e em pratos mais elaborados, com acompanhamentos originais, como as migas de brócolos e a açorda de ovas, uma das âncoras da carta, que ainda hoje mantêm.
À nossa mesa chegam as migas de espigos (como aqui são conhecidos os grelos) com bacalhau e a açorda de gambas, entre outros petiscos que nos deixam rendidos. Por provar ficaram o folhado de perdiz e as famosas (e premiadas) lulas recheadas com pezinhos de coentrada, feitas a pedido e em dias especiais. Razão mais do que suficiente para voltarmos a Sines.
VER
Castelo e Museu de Sines > Lg. Poeta Bocage > ter-dom 10h-13h, 14h30-18h > grátis
Centro de Artes de Sines > R. Cândido dos Reis, 33 > seg-sáb 12h-18h > grátis
COMPRAR
Livraria A das Artes > Av. 25 de Abril, 8, loja C > T. 269 630 954 > seg-sáb 10h-13h, 15h-18h
COMER
Arte e Sal > Praia de Morgavel, S. Torpes > T. 269 869 125 > seg-ter, dom 12h30-15h30, qui-sáb 12h30-15h30, 19h30-22h
Bejinha > Docapesca > T. 91 504 8904 > seg-sáb 12h-15h30
Cais da Estação > Av. Gen. Humberto Delgado > T. 269 636 271 > ago: seg-dom 12h30-15h, 19h-22h30; a partir de set: ter-sáb 12h30-15h, 19h-22h30, dom 12h30-15h
Sausalito > R. Sacadura Cabral, 27 > T. 93 772 1878 > seg-dom 10h-24hVela d’Ouro
Vela d’Ouro > Lg. do Castelo, 2 > T. 269 632 516 > seg-dom 7h-23h
DORMIR
Sines Sea View Business & Leisure > R. Nau São Miguel > T. 269 038 980 > a partir de €125 > Bar à Vista: seg-dom 12h-21h