Depois de uma edição em 2020 realizada ao ar livre e apenas com passeios sonoros, a Open House Lisboa dá um salto espacial e, pela primeira vez, atravessa o Tejo para abraçar Almada. Os Caminhos da Água é o tema desta 10ª edição, uma ideia desenvolvida pelo atelier de arquitetura paisagista Baldios. “A Open House faz um trabalho muito interessante, a arquitetura não é vista através do edifício, de uma singularidade, mas de um contexto e de uma visão crítica do território”, diz Catarina Raposo, uma das arquitetas deste coletivo. Enquanto comissários desta edição, explica, quiseram “oferecer uma visão do que é este território de Almada e de Lisboa como uma paisagem estuarina, a partir do rio Tejo e do seu Mar da Palha”. “Parecia-nos interessante devolver uma ideia de arquitetura a partir do Tejo, qualquer coisa que está presente nas duas cidades”.
Do roteiro de visitas gratuitas fazem parte 68 locais, 49 dos quais em estreia absoluta (28 em Lisboa e 21 em Almada). Há casas particulares, escritórios, palácios e infraestruturas industriais, uma variedade de edifícios que caracteriza o espírito da Open House, organizada pela Trienal de Arquitetura de Lisboa. O atelier Baldios elegeu alguns exemplares junto às margens, como os antigos estaleiros da Lisnave, em Almada, e a Base Naval de Lisboa, no Alfeite, com óbvia ligação ao Tejo do lado da margem sul. Mas também lugares como a Igreja Paroquial de Arroios, o Convento de Chelas, a Fábrica de Água de Alcântara ou as residências universitárias do Pólo da Ajuda, do lado norte e implantados sobre linhas de água que, noutros tempos, confluíam para o rio mas que ficaram invisíveis com a construção de ruas e habitações. É também desta ligação, menos visível, que se faz esta edição que é acompanhada por um mapa, cuja leitura não é feita pelas ruas, como habitual, mas pelos vales assinalados – Vale de Arroios, Vale Verde, Vale de São Bento, entre outros.
Do programa deste ano, constam também dois percursos sonoros: um, Conhecer a Água, de Matilde Meireles e Christabel Stirling, convida a que seja ouvido durante uma travessia de barco até a Cacilhas; o outro dá a conhecer o Vale de Chelas. Em paralelo às visitas guiadas, promovem-se oito percursos urbanos acompanhados por especialistas, atividades para o público infantil e um programa com workshops, concertos, experiências de desenho e exposições, em vários locais do roteiro e espalhados pelas duas cidades.
Para visitar alguns locais, no fim de semana de 25 e 26 de setembro, é necessária a reserva prévia. Devido ao contexto atual da pandemia, foi ainda criado um sistema de registo de entradas que permite dar informação sobre a afluência em tempo real. Eis sete locais a não perder, entre Lisboa e Almada, nesta 10ª edição da Open House.
1. Dodge House, Lisboa

A Open House espraia-se por vários pontos da cidade, incluindo bairros históricos como o da Mouraria, onde se localiza a Dodge House. O projeto, de David Zamarbide, destaca-se pela forma como o edifício se relaciona com a estreita Rua do Terreirinho, em que os vãos existentes são mantidos opacos, à semelhança de outros imóveis no centro de Lisboa, que mantêm as suas fachadas cegas. No interior do edifício, somos confrontados com uma construção que nos deixa ver os quatro pisos. O nome da casa resulta de um trocadilho: enquanto homenageia a célebre e já demolida Casa Dodge de Irving Gill, cuja visão modernista é alicerçada na arquitetura vernácula e/ou colonial do sul da Califórnia, ela também é dodged ou esquiva, uma vez que se vira de costas para a rua, construindo-se no seu interior.
2. Now Beato, Lisboa
Há quem tenha o privilégio de ali trabalhar. O Now é um cowork que ocupa o edifício Beato 1904, localizado entre o Convento do Grilo e o Hub Criativo do Beato. É neste antigo armazém de azeite e vinho que encontramos o Manicómio, projeto que quer desmistificar o estigma associado à doença mental através da arte. O edifício reconvertido em espaço para serviços, num projeto do atelier Promontório, tira partido do desnível entre a Rua da Manutenção e a Rua do Grilo, fazendo com que a casa do Manicómio, no último dos três pisos, se conecte diretamente com esta.
3. Antecâmara Rádio Galeria, Lisboa
É na Rua de Cabo Verde, 17 A, que fica a Galeria Antecâmara, um projeto associado ao Atelier CCA, onde as artes relacionadas com a arquitetura têm um espaço expositivo, e onde está também está sediada a Rádio Antecâmara. Trata-se de uma antiga padaria do Bairro das Novas Nações – chamado de Bairro das Colónias até à Revolução de Abril -, e que surge nos anos 20 e 30 do século XX, colmatando o vazio que existia entre o Bairro de Inglaterra e o Bairro Andrade, construído no início de 1900. O bairro forma um dos mais coerentes conjuntos habitacionais de estilo Art Déco e Modernista. O seu traçado resulta da sobreposição da malha ortogonal paralela à Avenida Almirante Reis, com uma série de linhas diagonais que dão origem a diversos edifícios singulares em gaveto, onde se concentram nos pisos térreos lojas e cafés.
4. Palácio do Alfeite, Almada

Dentro da Base Naval de Lisboa, no Alfeite, sucedem-se os edifícios e instalações militares. Entre estes, encontra-se um palácio mandado construir pelo rei D. Pedro V, uma obra do século XVIII do arquiteto Mateus Vicente de Oliveira. Aberto a visitas nesta Open House, aproveite-se a rara oportunidade de descobrir o interior e exterior do chamado Palácio do Alfeite, um exemplar de arquitetura palaciana onde não falta um jardim com árvores classificadas de Interesse Público, caso das espécies Jubaea chilensis, vulgarmente conhecida por coquito-do-Chile, e uma Ficus macrophylla, uma árvore-da-borracha-australiana, que terão sido plantadas por Jean Baptiste Bonnard, autor dos jardim da Tapada das Necessidades e do Jardim da Estrela. Lugar de eleição da Casa do Infantado, vem desses tempos a expressão “estar nas sete quintas”, e explica-se porquê: o Real Sítio do Alfeite integrava sete quintas – Piedade, Outeiro, Romeira, Alfeite, Quintinha, Antelmo e Bomba. Dentro da Base Naval, e no âmbito da Open House, é ainda possível visitar o Arsenal do Alfeite e a Escola Naval.
5. Casa da Trafaria, Almada
Descobrir lugares privados, como é o caso desta casa na Trafaria, faz parte do programa da Open House. Este projeto, uma obra de reabilitação da responsabilidade do gabinete José Adrião Arquitetos, é uma das habitações abertas a visitas (não se pode fotografar) nesta edição. Encontra-se numa sequência de moradias unifamiliares ao longo da estrada de chegada à Trafaria e reflete novas formas de habitar na área metropolitana de Lisboa que surgiram na última década. Atente-se nos pormenores do seu interior, explore-se a arquitetura e diferenças entre o antes e o depois da reabilitação, tudo explicado enquanto se percorrem os dois pisos e se espreita o jardim.
6. Antigos estaleiros da Lisnave, Almada

É a arquitetura industrial e a localização, junto à margem do Tejo, que se destaca na visita aos antigos estaleiros da Lisnave. Deixados ao abandono desde o seu encerramento em 2000, era ali desenvolvida atividade de reparação naval desde 1967. A enorme grua de 90 metros de altura e 300 toneladas é uma referência na paisagem ribeirinha da margem sul. Dos 30 hectares que ocupa, 26 foram tomados ao rio; as quatros docas secas (uma delas foi, em tempos, a maior do mundo) estão à vista, assim como os edifícios, desenhados pelos arquitetos Tomás Taveira, Álvaro Barreto e José Maria Sardinha. Foi também ali que Vhills gravou o videoclipe do tema Raised By Wolves, dos U2, mas outras curiosidades estão prometidas ao longo da visita.
7. Lazareto – Asilo 28 de Maio, Almada
Era neste edifício, construído em 1869, à beira-rio, que os viajantes chegados de barco a Porto Brandão faziam a sua quarentena, antes de entrarem na capital. Instalado numa colina e com uma vista privilegiada sobre a paisagem estuarina, o Lazareto fica próximo da Fortaleza da Torre Velha, estrutura militar gémea da Torre de Belém. Composto por um corpo central e uma estrutura radial de 6 alas associadas aos tempos de internamento, possuía enfermarias, hospital, lavandarias, quartel e habitações dos funcionários, desenhados de acordo com as premissas higienistas do século XIX. A partir de 1919, este lugar passou a albergar raparigas indigentes. Também tem espaço na literatura: Columbano Bordallo Pinheiro faz-lhe referência no livro No Lazareto de Lisboa, onde dizia “a comida era má e os preços exorbitantes”. Em 1962, foi cenário do filme Dom Roberto, a única longa-metragem de Ernesto de Sousa.
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