“Não queríamos chamar alguém que simplesmente reproduzisse o estilo do Miles Davis, por exemplo. Apesar de haver por aí imensa gente assim.” É desta forma que Rui Neves apresenta a 34ª edição do Jazz em Agosto, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. O organizador e diretor artístico do festival resume aquilo que se procura a cada ano: “o diferente, o original, o jazz que reflita o tempo da atualidade”.
Ao todo, serão 14 concertos de grupos e artistas de várias nacionalidades e proveniências musicais. Do livre improviso ao noise, passando pela música de fusão, o que se ouve aqui não é recomendado para os gostos mais convencionais. Rui Neves tem consciência disso, mas não se inibe no seu propósito. “Já temos um público fiel e que sabe ao que vem. Num contexto em que a música massificada vive sob a ditadura do formato da canção, tem que haver alguém que procure pessoas com algo de novo a dizer”, afirma.
O que se privilegia, então, no Jazz em Agosto? “Grupos que tenham desenvolvido novas linguagens, que se tenham adaptado ao mundo do jazz contemporâneo e não se limitem a reproduzir a linguagem clássica do jazz”, sublinha Rui Neves. Entre usos artísticos do ruído, métricas irregulares, dissonância e orquestrações caóticas, tudo no alinhamento do festival convida o espectador a sair da sua zona de conforto musical.
Em paralelo com os concertos haverá também uma feira de discos, onde durante o festival será lançado o livro Life is a Simple Mess, da autoria do designer e ilustrador português Travassos, especializado em capas de discos, na sua maioria de jazz.
Eis sete concertos a não perder de um abrangente e arrojado cartaz marcado pela contaminação de outros géneros musicais.
Steve Lehman & Sélébéyone
Willie Davis
1. Steve Lehman & Sélébéyone
Em orgãos de comunicação como o New York Times, a Newsweek ou a BBC não faltam elogios ao trabalho de Steve Lehman, um dos saxofonistas confortavelmente estabelecidos no mundo do jazz. O seu concerto no Anfiteatro ao Ar Livre resume na perfeição o conceito da edição deste ano e servirá para apresentar o projeto Sélébéyone, que junta o saxofonista americano e os seus músicos aos rappers HPrizm (membro dos novaiorquinos Antipop Consortium) e Gaston Bandimic, uma das maiores estrelas do hip-hop senegalês. Steve Lehman volta a presentar-se ao fim da tarde de sábado, 27, na Nave da Coleção Moderna, mas desta vez a solo. Anfiteatro ao Ar Livre > 28 jul, sex 21h30
2. David Torn
O estatuto de cabeça de cartaz cabe ao guitarrista americano David Torn, habitual colaborador de gente tão diversa como Madonna, John Legend ou David Bowie, mas que desta vez vem acompanhado de dois dos mais brilhantes nomes do jazz contemporâneo, os compatriotas Tim Berne no saxofone alto e Ches Smith na bateria, seus atuais parceiros no trio Sun of Goldfinger. Anfiteatro ao Ar Livre > 29 jul, sáb 21h30
Julien Desprez
3. Julien Desprez
Talvez uma das mais desafiantes propostas do Jazz em Agosto 2017, a música do francês Julien Desprez é feedback de guitarra, distorção e ruído, a elevação da abstração rítmica e melódica do jazz ao seu máximo expoente. Depois da estreia em nome próprio com Acapulco, em 2014, Desprez apresenta agora Acapulco Redux, um espetáculo que faz uso da luz e da escuridão para complementar os abrasivos ambientes sonoros que cria com seus pedais de efeitos. Uma experiência para olhos e ouvidos que se antevê única. Mais tarde, Julien Desprez subirá ao palco principal, mas agora enquanto membro da Coax Orchestra, um coletivo de free jazz da mesma escola de grupos como os Prime Time de Ornette Coleman ou os Naked City de John Zorn. Edifício Sede, Auditório 2 > 30 jul, dom 18h30
4. Peter Brötzmann & Heather Leigh
Peter Brötzmann é capaz de ser, a custo, um dos nomes mais conhecidos deste cartaz pelos círculos da música alternativa em Portugal. Saxofonista de variados talentos e produção prolífera, colaborou com o trio português de stoner rock Black Bombaim num dos discos mais celebrados de 2016. No Jazz em Agosto, apresenta-se na companhia da norte-americana Heather Leigh na pedal steel guitar, uma parceria que se concretizou no álbum Ears Are Filled With Wonder, registado em Cracóvia em 2015. Anfiteatro ao Ar Livre > 31 jul, seg 21h30
Susana Santos Silva e o projeto Life and Other Transient Storms
5. Life and Other Transient Storms
Este projeto de nome enigmático nasce a partir da trompetista portuguesa Susana Santos Silva, radicada na Suécia e apenas recentemente reconhecida como um talento a atentar, e da sua união com aqueles que apelida do seu “quinteto escandinavo”. O único registo do mesmo nome, de 2016, é dividido nas faixas Life e Other Transient Storms, e exibe um estilo de jazz de improviso caótico, dissonante e barulhento, mas nem por isso menos apreciável no seu constante desafiar das barreiras limítrofes do jazz. Anfiteatro ao Ar Livre > 1 ago, ter 21h30
6. Starlite Motel
Não confundir com o grupo de pop rock do mesmo nome. Os Starlite Motel nascem da reunião de músicos dos Estados Unidos e da Escandinávia, um quarteto que mistura influências das duas regiões com a desenvoltura do jazz e a energia do rock num projeto digno de nota. Awosting Falls, o primeiro disco, do ano passado, tem ritmo livre, muito ruído e motes que exigem uma apreciação profunda e duradoura das tendências avant-garde dos géneros a que vai beber – uma combinação verdadeiramente intrigante. Anfiteatro ao Ar Livre > 3 ago, qui 21h30
Dave Douglas
Austin Nelson
7. Dave Douglas
Com um percurso de valor atrás de si, tendo protagonizado mais de 40 álbuns e colaborado em filmes, poesia e spoken word, o nome do trompetista Dave Douglas deveria dispensar apresentações no universo do jazz. Mais ainda por apresentar, neste contexto do Jazz em Agosto, um dos mais acessíveis modos deste estilo musical. Desprendendo-se menos do formato clássico da canção, a inovação de Douglas passa mais pela incorporação de componentes eletrónicas à sua sonoridade, expressas em inegável qualidade no seu último álbum, High Risk. Anfiteatro ao Ar Livre > 6 ago, dom 21h30
Jazz em Agosto > Fundação Calouste Gulbenkian > Av. de Berna, 45A, Lisboa > T. 21 782 3000 > 28 jul-6 ago, 18h30 e 21h30 > €12 a €100 (passe)
