Está vazia de cadeiras e mesas a esplanada que Carlos Lopes Nunes, engraxador há 52 anos em frente à Pastelaria Mexicana, conhece bem. Ainda assim, e apesar da chuva, lá vai aparecendo um cliente. A emblemática pastelaria lisboeta, ao cimo da Avenida Guerra Junqueiro, está há mais de seis meses em obras, depois de no ano passado os proprietários da Carcassone (na Avenida da Igreja) lhe terem tomado o rumo. E à oportunidade de ver afinal o que se passava dentro de portas, foram muitos os moradores da zona a comparecer à visita guiada que decorreu, há duas semanas, no âmbito da Open House, organizado pela Trienal de Arquitetura de Lisboa.
Inaugurada em 1946, a Mexicana surgia para servir uma nova zona habitacional da cidade, desenhada pelo arquiteto Faria da Costa na década de 1940. Os grandes quarteirões com interiores ajardinados e apartamentos generosos, embora sem grandes luxos, haveriam de ser ocupados por uma classe média. “E é para esta população com um certo poder financeiro que aparece a Mexicana, uma pastelaria/salão de chá com projeto de arquiteto e que Jorge Ferreira Chaves, também ele arquiteto, valorizou, convidando vários artistas plásticos a participar na grande remodelação de 1961-1962”, vai explicando Michel Toussaint, professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa, que conduz o grupo de 15 pessoas.
Lá dentro, há ainda muito pó e trabalho a fazer. A maior intervenção decorre na fábrica de pão e bolos que fica na cave do edifício, uma área que nunca tinha sido mexida desde a sua abertura. Já na zona de atendimento ao público, são sobretudo trabalhos de restauro que vão tendo lugar, preservando-se aparentemente aquela que é uma das pastelarias mais bonitas de Lisboa. Logo à direita de quem entra, está a pintura mural do designer e ilustrador João da Câmara Leme, e, mais à frente, a coluna facetada, já pintada no seu dourado original, cujos efeitos se vão replicando ora nos tetos, ora nas paredes. “Repare-se que não há ângulos retos ou portas e que a diferenciação das zonas de serviço se faz através do uso de diferentes materiais e cores, ganhando-se assim uma sensação de continuidade da rua”, faz notar Michel Toussaint. Do lote de artistas convidados, constava também Querubim Lapa que respondeu com um Sol Mexicano de face amarela e raios verde-azulados, acompanhado por um cacto florido, sob um fundo de azulejos que preenche uma das paredes do Salão de Chá. E ainda Mário Costa, autor do vitral junto à casa de banho dos cavalheiros.
“Em 1993, os proprietários da altura resolveram mudar os balcões frigoríficos e preparavam-se para fazer uma remodelação que incluía até a construção de um lago”, conta Michel Toussaint. Valeu a denúncia de tal intenção e a Câmara Municipal de Lisboa acabou por intervir, chegando-se àquilo a que se chama de “solução de compromisso”. Ou seja, ambígua o suficiente para se ter descaracterizado bastante a entrada, salvando-se apenas o tal Salão de Chá. Mas que permitiu que se iniciasse um processo de classificação da Mexicana, protegendo-se assim os seus interiores em futuras intervenções. A proposta foi apresentada em 1994 por Manuel Ferreira Chaves, filho do arquiteto Jorge Chaves, e pelo próprio Michel Toussaint. Depois de dez anos em apreciação na Secretaria de Estado da Cultura, o despacho foi assinado a 25 de março de 2014. Da classificação de Monumento de Interesse Público, que salvaguarda o património da pastelaria, inclui-se ainda o “passarinhário”, o mobiliário (cadeiras e mesas) da Olaio e o bengaleiro do restaurante, no piso de baixo. E que por lá se vão manter.
Não é pois de estranhar que seja sob holofotes que decorrem agora estas obras. “Se o objetivo era voltar ao original e valorizar os interiores, então parece-me que estão no bom caminho”, disse o professor Michel Toussaint no final da visita. E os frequentadores da Mexicana que vieram à visita, saíram satisfeitos.