Camané sempre se disponibilizou para aventuras musicais fora do mundo do fado (embora, inevitavelmente, a sua voz carregue sempre esse universo) – cantando Xutos & Pontapés e António Variações no projeto Humanos, por exemplo. Mas na sua discografia oficial (iniciada com Uma Noite de Fados, em 1995) teve uma coerência ao longo dos anos feita se sobriedade, tão respeitadora das tradições profundas do fado como aberta a experiências (como a inclusão permanente do contrabaixo).
Um denominador comum a esse percurso, que firmou a voz de Camané como património superior da história da nossa música popular, foi a presença de José Mário Branco como produtor e empenhado diretor artístico. Este Horas Vazias é, pois, o primeiro disco do fadista sem a presença marcante do autor de Inquietação (José Mário Branco morreu em novembro de 2019).

A produção foi agora entregue a um músico da área do jazz: Pedro Moreira. Mas o lastro era tão forte que bem se pode dizer que a coerência continua (até porque a voz de Camané e as palavras que canta continuam em primeiro plano). Como sempre, há canções com a marca da tradição (Aves Agoirentas, por exemplo, da dupla David Mourão-Ferreira/Alain Oulman) e outras novíssimas (Pedro Abrunhosa, Jorge Palma e Sérgio Godinho assinam, por exemplo, letra e música de três canções). O trio de instrumentistas que tem sido o sólido alicerce de Camané mantém-se: José Manuel Neto (guitarra portuguesa), Carlos Manuel Proença (viola) e Carlos Bica (contrabaixo). Mas em Horas Vazias pode, também, ouvir-se o saxofone de Ricardo Toscano – na notável Às Vezes Há um Silêncio (Fado Rosa) – e o acordeão de João Barradas.
Como José Mário Branco na performance histórica de FMI, também Camané nos poderia dizer agora: “Contai com isto de mim, para cantar e para o resto.”
Camané vai apresentar ao vivo o novo disco, Horas Vazias, no Teatro da Trindade, em Lisboa, a 15 de fevereiro. Um espetáculo intimista que conta com o saxofonista Ricardo Toscano, convidado do disco e do espetáculo.