1. Crawler, Idles
Periodicamente, o século XXI vai-nos servindo bandas apresentadas como salvadoras do (verdadeiro) rock e do espírito (pós-)punk, que saltam de um circuito local para o público global. Os britânicos Idles foram, desde 2008, um desses grupos. Justificadamente. Joy As an Act of Resistance era um excelente álbum, a pôr uma energia bruta a favor das boas causas numa Europa cheia de divisões e tensões. O risco, nestes casos, é sempre o mesmo: a repetição de uma fórmula que perde frescura e pertinência. Ao quarto álbum, isso ainda não aconteceu aos Idles. A voz de Joe Talbot continua a soar a urgência genuína e, musicalmente, há experiências a assinalar.
2. Voyage, ABBA
Facto histórico: desde 1981 (ano de The Visitors) que não era possível oferecer como presente de Natal um álbum novo dos suecos ABBA (mas terão sido muitos os greatest hits do grupo a serem embrulhados ao longo das últimas quatro décadas). Agora, 40 anos depois, aconteceu o que Agnetha, Björn, Benny e Anni-Frid disseram que nunca aconteceria: novas canções dos ABBA. Não é fácil definir com clareza se é qualidade ou defeito, mas Voyage soa exatamente ao que se podia esperar de uns ABBA ressuscitados depois de um longo sono. E, sim, eles sabem qualquer coisa sobre escrever canções pop (que soam a ABBA).
3. 70 Voltas ao Sol, Jorge Palma
Um daqueles momentos que um artista que tocou nas ruas e no metro só pode almejar se, entretanto, a sua carreira correu especialmente bem. É o caso. Para festejar os seus 70 anos de vida, cumpridos a 4 de junho de 2020, Jorge Palma tocou no Castelo de São Jorge, em setembro desse ano, acompanhado por uma orquestra de câmara de 14 músicos dirigida pelo maestro Cesário Costa, num concerto sem bilhetes (pandemia oblige…), só para alguns convidados. Com arranjos de dois Filipes (Melo e Raposo), neste disco redescobrimos canções de sempre, como Bairro do Amor, Deixa-me Rir ou Frágil.
4. Badiu, Dino d’Santiago
Se Kriola, lançado de surpresa no final de 2020, foi feito em apenas duas semanas, este Badiu não exigiu mais do que uma residência de cerca de um mês (em abril e maio deste ano) para que se completassem os seus 12 temas. Foi gravado entre muitos parceiros musicais (presentes ou à distância, como Branko ou o brasileiro Rincon Sapiência), amigos e a família (incluindo o primeiro filho de Dino, que nasceu em fevereiro) e, sobre ele, diz o seu autor (em entrevista ao site Rimas & Batidas): “O primeiro álbum em que visto a minha pele sem receio de mostrar a minha vulnerabilidade.” É um disco de quem sente que tem coisas para nos dizer, sobre muitos assuntos, mais pessoais (em Txuputi, ouve-se a voz da avó de Dino, Nha Tereza, que entretanto morreu) ou do mundo. A escolha do título é significativa: Badiu, palavra usada para falar dos habitantes da ilha de Santiago, Cabo Verde, e do seu crioulo, remete para quem, há séculos, conseguiu escapar ao terrível destino da escravatura fugindo para o interior da ilha. Muitas canções dão para, irresistivelmente, menear o corpo, mas este é um disco para ouvir com atenção, até porque, como Dino d’Santiago canta em Esquinas (ao lado de Slow J), “nossos corpos também são pátria”.
5. Busto, Amália Rodrigues
Ficou para a História com esse nome, Busto, apesar de na sua capa não constar qualquer título (apenas a imagem de um busto de Amália esculpido por Joaquim Valente). Não era essa a única originalidade e heterodoxia deste disco histórico lançado em 1962 por Amália Rodrigues. É neste registo que se dá o encontro – marcante não só para a carreira da fadista como para a própria história do fado – de Amália com o músico franco-português Alain Oulman. A importância do lugar das palavras de poetas contemporâneos no fado (com destaque, neste disco, para David Mourão-Ferreira e Pedro Homem de Mello, autor de Povo que Lavas no Rio) mudaria o curso da canção de Lisboa, até hoje. Quase 60 anos depois do original (e 20 depois de uma edição comemorativa dos 40 anos, de 2002), Busto regressa às lojas num CD triplo (e, numa edição limitada, também com um DVD). Além de fados que sairiam no disco de Amália editado pouco tempo depois (For Your Delight), de takes alternativos e de registos de ensaios, destaque para a entrevista de Henrique Mendes à fadista, Alain Oulman e David Mourão-Ferreira, que se pode ouvir no terceiro disco.
6. Imposter, Dave Gahan & Soulsavers
Numa espécie de dedicatória, no booklet, Dave Gahan escreve: “Espero que estas canções tenham tanto significado para vocês como têm para mim.” O vocalista dos Depeche Mode percorre 12 temas, numa seleção assumidamente pessoal, em parceria com os Soulsavers (ou seja: Rich Machin, com quem já tinha trabalhado várias vezes). Imposter é, pois, um disco de versões, de interpretações muito sentidas com arranjos discretos e cuidados, longe da energia dançável dos Depeche Mode. Entre os músicos revisitados contam-se, entre outros, Cat Power, Neil Young, PJ Harvey, Bob Dylan, Mark Lanegan e Rowland S. Howard.
7. The Nearer the Fountain, More Pure the Stream Flows, Damon Albarn
Começou por ser um disco com vista para a Islândia, onde o fundador dos Blur construiu uma casa há cerca de 20 anos. A pandemia trocou as voltas ao músico, e o seu segundo disco a solo seria terminado em Inglaterra, em modo lockdown. A melancolia (glaciar? britânica?) vai percorrendo praticamente todas as 11 novas canções, algumas delas muito marcadas pelo saxofone de Mike Smith (desde o disco final de Bowie, o sax voltou a ser cool na pop). O título do disco inspira-se em versos do poeta romântico oitocentista John Clare.
8. Meu Coco, Caetano Veloso
Desde o enérgico Abraçaço, de 2012, que não havia disco novo de Caetano Veloso. Meu Coco foi lançado nas plataformas de streaming em outubro deste ano, e a edição física chega, felizmente, esta semana, a tempo de ser embrulhada para o Natal. São 12 novas canções sintonizadas com o nosso tempo desse monumento vivo da MPB, que cumprirá 80 anos em 2022. No tema GilGal, homenageia a incrível música brasileira do século XX (“Vem de Pixinguinha a Jorge Ben…”). O disco inclui ainda um fado cantado a meias com Carminho, Você-Você, em que Caetano se esforça por dar o seu melhor no sotaque português.
9. Kick II, III, IIII e IIIII, Arca
E subitamente, no início de dezembro, apareceu não um novo disco de Arca mas… quatro. Todos sucessores de Kick I (de junho de 2020). Qualquer um é um bom ponto de entrada no universo desta artista venezuelana a viver em Barcelona. Arca é uma espécie de Björk 2.0 para o século XXI, com mais hemisfério sul na sua génese. A eletrónica e a manipulação de sons estão na base de um trabalho livre que dispara nas mais díspares direções – de uma música ambiental etérea e onírica à energia carnal do reggaeton. Uma atitude exploratória que vale a pena descobrir.
10. As Canções da Esperança, Miguel Araújo
A série Esperança (que passou no canal de streaming Opto, ligado à SIC) foi muito elogiada, sobretudo pelo poder de transformação do seu protagonista, César Mourão (no papel da velhota Esperança). Contava também com as canções de Miguel Araújo (que, em 2022, celebrará ao vivo os dez anos do primeiro disco) no seu melhor. Em três delas, com boas ajudas: António Zambujo (em Canção da Esperança), Cláudia Pascoal (Estou Por Tudo) e Camané (A Procissão da Vida). Por enquanto, o disco compra-se só no site do músico – e por mais €10 pode-se escolher um exemplar autografado.