1. Suspense ou a Arte da Ficção, de Patricia Highsmith
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Para quem quer truques infalíveis, outros manuais existem. Suspense ou a Arte da Ficção (Cavalo de Ferro, 143 págs., €14,99) tem a honestidade certa. Patricia Highsmith (1921-1995) aborda as etapas essenciais: as “sementes” das ideias, o caderno de bolso (“a frequência com que uma frase, registada num bloco de notas, conduz de imediato a uma segunda frase”), o trunfo das emoções, o exercício de tornar o herói simpático (“terrivelmente difícil”), o ponto de vista (“um bicho-papão para muitos”). Fala-se, também, da falta de dinheiro, da singularidade de cada criador, das dúvidas em obras como O Desconhecido do Norte Expresso, do “ardor do público pela justiça, bastante enfadonho e artificial”. “Explicar como se escreve um livro bem-sucedido – ou seja, bom de ler – é impossível”, diz. Mas ela tenta, e muito bem.
2. Em Todas as Ruas Te Encontro, de Paulo Faria
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Quer ler um romance sobre a pandemia? É a única pergunta a que tem de responder. Porque, de resto, no novo romance de Paulo Faria terá tudo o que se pode pedir à melhor literatura: grandes personagens, ambientes inesperados (o da própria pandemia), emoção, drama, compaixão e um hábil jogo entre passado, presente e futuro. Além disso, se podemos entender a identificação (com as personagens) como um dos mais poderosos mecanismos literários, então neste livro tê-la-á em doses superlativas. Em Todas as Ruas Te Encontro (Minotauro, 134 págs., €13,90) revive os dias da peste, sobretudo as dúvidas e os receios da primeira quarentena. É neste contexto que dois casais têm de lidar com o que desconhecem, incluindo nas suas famílias e no seu passado. Quem ler este livro, no fim dirá: foi mesmo assim! L.R.D.
3. Diário de Uma Viagem a Portugal e ao Sul de Espanha, de Dorothy Wordsworth
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Filha do poeta William Wordsworth, a quem o pai dedicou escritos como Address to my infant daughter, Dora (1804-1847) era culta, observadora e fluente, qualidades que aplica a este Diário de Uma Viagem a Portugal e ao Sul de Espanha (Asa, 320 págs., €16,90). Espicaçando a eterna curiosidade de saber como os outros nos veem, o livro acompanha a viagem de um ano, feita em 1845, na companhia do marido, oficial britânico nascido em Portugal. O casal percorre o Norte e o Centro do País, passando pelo Douro e desembocando em “Cintra e Collares”. Entre paisagens, costumes, leis, dinheiros, elogios às tricotadeiras e aos artesãos e desdém pelas infraestruturas primitivas, a autora demonstra interesse genuíno pelo “outro”, mas faz comparações com a sua realidade britânica e privilegiada. No Porto, atenta à criadagem das casas endinheiradas, sai-lhe este comentário: “Uma grande vantagem que os pobres de Portugal têm sobre os nossos é o clima fantástico. Precisam de pouca lenha e de pouca roupa (…).”
4. Tinta Simpática, de Patrick Modiano
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Navega por entre os habituais territórios movediços do autor francês, este Tinta Simpática (Porto Editora, 96 págs., €14,40): há uma investigação literária, personagens intangíveis, ilusões que desencaminham narradores e leitores. E uma melancolia suscitada pelo passado que parece um “eterno presente”, uma geografia parisiense fluida, uma piscadela de olho com discretas referências a romances passados, os sentimentos de um acidental ocidental… Pode ler-se esta novela como um policial romântico ou um noir de baixa intensidade atravessado por memórias. Passadas três décadas, Jean Eyben retoma um velho dossier incompleto de quando trabalhou na agência de detetives Hutte: a busca pela misteriosa e desaparecida Noëlle Lefebvre. Como a “tinta simpática”, a que revela mensagens secretas, decifra-se aqui uma metáfora sobre o passado, recapitulação agridoce sobre o que fomos e sonhámos.
5. O Homem do Casaco Vermelho, de Julian Barnes
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Os enigmas são boas portas de entrada para descobertas. E Julian Barnes, autor de prosa elegantíssima, capaz de destilar bibliotecas inteiras num par de capítulos, ganhador de prémios com notáveis romances como O Papagaio de Flaubert ou O Sentido do Fim, transmutou-se, aqui, em decifrador – de um homem, de uma época, das ligações que os (des)unem misteriosamente. Príncipes, polémicas, pintores com gardénias nas botoeiras, boémios, snobes, amantes, escândalos, causas, livros malditos, o caso Dreyfus, tudo isso habita O Homem do Casaco Vermelho (Quetzal, 320 págs., €18,80), belíssima jangada literária.
6. Afastar-se, de Luísa Costa Gomes
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Afastar-se Treze contos sobre água (D. Quixote, 224 págs., €15,90) é uma coleção de narrativas criadas ao longo de mais de cinco anos, período durante o qual Luisa Costa Gomes publicou o romance Florinhas de Soror Nada (2018). No seu novo livro, apenas três das 13 histórias tiveram publicação prévia: O Tratado de Tavira (na coletânea O Prazer da Leitura, em 2008), Banhos Célebres, rebatizada como Baía da Alumbrada (Jornal de Letras, 2017) e o comovente Desertos, Enseadas, Covas Abertas (coletânea Mães que Tudo, 2019). O resto é mar aberto, literatura salva-vidas que fala de escritores a quem o imenso azul ressuscita a ânsia de viver, de filhas entregues ao luto materno numa piscina a sul, de amantes que soçobram no abraço marinho, de um turista renitente em navio de cruzeiro (“prisões flutuantes com vistas desafogadas”) que salva um idoso em alto-mar para ser aí esquecido pelos outros…
7. Ph. 06 – Ernesto de Sousa, de Emília Tavares
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Novo volume da irrepreensível coleção coordenada por Cláudio Garrudo, Ph.06 Ernesto de Sousa (Imprensa Nacional, 136 págs., €19), aborda as obras fotográficas do artista e organizador da seminal Alternativa Zero (1977). Pioneiro da Nova Fotografia, que recentra a prática como obra autónoma, Ernesto de Sousa (1921-1988) faz a “apologia da imagem sob um ponto de vista expandido”, sublinha-se aqui. As suas imagens desdenham enquadramentos certos ou noções de verdade: são ferramentas anti–iliteracia visual, “obra aberta”. É metáfora q.b. esta fotografia de 1977: uma carta carimbada dirigida ao “pintor Ernesto de Sousa, Travessa do Fala-só”. Mas há ainda os slides de mixed media, fotogramas intervencionados e do filme Almada, Um Nome de Guerra, ou Alquimigramas, ampliações de emulsão, ácidos e pigmentos, preferidas ao objeto captado. Em ano de centenário, eis uma bela homenagem.
8. O Vício dos Livros, de Afonso Cruz
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Em O Vício dos Livros (Companhia das Letras, 128 págs., €15,50), Afonso Cruz reúne um conjunto de histórias – umas lendárias, outras pessoais – que mostram o poder transformador da literatura. Em pequenos textos, que são também delicadas peças de vida, o escritor confirma que, após a leitura, o passatempo preferido de um leitor é contar histórias, lendas e anedotas sobre livros. Aqui, encontramos muitas, desde as que remontam à Antiguidade, como o mote da biblioteca do faraó Ramsés II (“Casa para terapia da alma”), à obra que o avô do escritor escolheu para lhe mostrar o que passou quando foi preso e torturado no Estado Novo. Este vício de Afonso Cruz nasce de uma certeza: depois de ler um livro, não voltamos a ser os mesmos. L.R.D.
9. Cães de Chuva, de Daniel Jonas
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À poesia de Daniel Jonas – também reconhecido como tradutor de autores como Shakespeare ou Wordsworth – associamos um peso, ou talvez apenas uma aragem, que nos chega de tempos antigos, clássicos, míticos. Mas a uma sólida erudição sobrepõe-se sempre o mundo, mínimo e máximo, uma contemporaneidade radical. Neste Cães de Chuva (Assírio & Alvim, 128 págs., €14,40), chega a ser desconcertante, como se quer na poesia que nos desarruma certezas e estimula ideias. Entre poemas longos e outros de muitos breves versos, não falta sequer algum humor e ironia. Como nesta Insensatez, que nos puxa para cima e nos põe a cismar na verdadeira força dos territórios antigos (ah, Ítaca…) por que passámos nas páginas anteriores: “Este fala da necessidade de/ voltar às raízes. / Que insensatez./ Como se algum habitante do reino vegetal/ pudesse fazê-lo.// Quando voltares às raízes/ estarás morto./ Atenta ao que te digo.” P.D.A.
10. Não Dá Para Ficar Parado, de Vítor Belanciano
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Não é preciso avançar muito por estas páginas para percebermos que este livro sobre música é muito mais do que um livro sobre música. Por estes textos, pelos ritmos, danças e palavras que aqui se evocam, perpassa boa parte da história recente de Portugal, com seus labirintos (onde, às vezes, ainda estamos enredados) entre Europa e África. Passando por Bonga, que parece ter tido duas vidas na receção da sua música em Portugal, General D, as revoluções dos Buraka Som Sistema e da editora Príncipe Discos e muitos outros protagonistas, este Não Dá Para Ficar Parado (Afrontamento, 168 págs., €12) leva-nos (recorrendo a diversas entrevistas que o autor, o jornalista Vítor Belanciano, fez ao longo dos anos) até uma questão de fundo, título do último capítulo: A Descolonização de Mentalidades em Portugal e na Europa. P.D.A.