Uma forma de exorcizar os medos é ensaiá-los, fazer role playing com rede de segurança, ultrapassar linhas vermelhas num ambiente climatizado. Essa também poderia ser uma definição de literatura, e Don DeLillo sempre usou a predisposição profética dos livros para dissecar pistas do futuro coletivo. O Silêncio foi escrito mesmo antes da pandemia da Covid-19, mas é habitado pela mesma sensação de fim de ciclo, de tropeço civilizacional para o qual ninguém estava preparado. O ponto de partida é simples: explorar um cenário de hecatombe digital. O apagão das redes sociais, o silêncio da televisão, a inacessibilidade da internet, os gadgets inanimados por muito que se pressione a tecla “on”.
O Silêncio começa num avião, que traz de volta aos EUA o casal Jim e Tessa: ele segue os dados atmosféricos e de velocidade nos ecrãs, ela escreve num caderninho azul (prenúncio de uma útil velha ferramenta). Subitamente, tudo se apaga e o avião despenha–se (eles salvam-se, apenas para encontrar um mundo diferente cá em baixo). À espera deles, está o casal Max e Diane, instalados em frente à televisão gigante, pois é dia de campeonato da SuperBowl – até que este ecrã também se apaga. Ali e no mundo. Uma “embrulhada comunicativa”, pensam. À noite, já dirão: “A semiobscuridade (…). A incerteza, a sensação de já termos vivido isto antes. Uma espécie de colapso natural ou intrusão vinda de um lugar desconhecido.” E mencionarão Jesus e Einstein, profetas diferentes, e “armas biológicas (germes, genes, esporos, pós)”.
“Ninguém lhe quer chamar a Terceira Guerra Mundial, mas é disso que se trata”, declara Martin, quinta personagem nesta história críptica, algo teatral, que não oferecerá explicações. Fica apenas a interrogação dos deserdados da tecnologia: “O que nos resta para ver, ouvir, sentir?”.