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1. “Mais Que Mil Imagens”, de António Mega Ferreira
“Ver é aprender a ver, e cada quadro, cada fotografia, cada objeto, é um desafio a essa capacidade de transpor o abismo entre o que o criador diz e o que o espectador vê”, lê-se. Mais Que Mil Imagens (Sextante, 182 págs., €25) não é o “museu imaginário” de Mega Ferreira, são textos, curtos e ilustrados, nascidos de estímulos visuais: uma ”forma de pensar o que se vê”. Ou seja, uma relação íntima em que convoca memória, acaso, cultura e afetos. Não por acaso, o primeiro objeto contemplado é a cadeira B33 de Marcel Breuer, que desata recordações do escritório paterno, do Café Nicola, e de outra cadeira admirada que é, hoje, a primeira coisa que o autor vê ao acordar. Seguem-se reflexões sobre o turbante pintado por Jan van Eyck, a paixão vista por Fragonard, um beijo de Elvis Presley fotografado ou as paisagens de João Queiroz… Para ler e ver melhor. S.S.C.
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2. “O Que Fazer dos Estúpidos”, de Maxime Rovere
“Uma das principais características da estupidez é que ela consome, de alguma maneira, a nossa capacidade de análise e, por meio de uma estranha propriedade, constrange-nos sempre a falar a sua língua, a entrar no seu jogo, enfim, a dar connosco no seu próprio campo.” Muitos lerão aqui o seu sentimento face à atual paisagem social, imersa em fake news e conservadorismos. Maxime Rovere, filósofo especialista em Espinoza, viu-se a partilhar casa com um espécime assim e defende que os problemas causados pelos estúpidos são sérios, inimigos da ética e do bem viver em comum. Em O Que Fazer dos Estúpidos e Como Deixar de Ser um Deles (Quetzal, 184 págs., €16,60), ele reflete sobre estes tiranos ou indiferentes, desde aqueles que impõem ruído ao nosso quotidiano aos que têm poder de destruição (e até o Estado). S.S.C.
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3.“Deixa-te de Mentiras”, de Philippe Besson
Ao contrário do narrador de D. Quixote, que desde a primeira página nos alerta para os terrenos imprecisos daquela história passada num lugar na Mancha que não se quer, ou não se sabe, recordar, Philippe Besson aposta tudo na exatidão. O escritor francês esteve lá, sabe o que aconteceu, lembra-se de todos os pormenores. Sem camuflagens nem adulterações, esta é a sua história. Em poucas páginas, Besson recorda a paixão que marcou a sua juventude, no fim do Secundário, antes de o verão separar os finalistas. Como melhor aluno da turma, esperava-o um futuro pelas grandes écoles do país. A Thomas Andrieu, por seu turno, o lavor na quinta familiar, algures na Aquitânia. Adolescentes nos anos 80, época ainda de sólidos preconceitos, eles vivem uma paixão clandestina. Ambos sabem que são “diferentes”, mas só um (Thomas) lida mal com isso, o que explica a ligação ao filme (e livro) O Segredo de Brokeback Mountain. Mas a relação mais forte deste livro é com O Amante, de Marguerite Duras. A força de Deixa-te de Mentiras (Sextante, 160 págs., €15,50) está na sua capacidade de recriar uma intensa história de amor, transformando dor em melancolia; no eco de uma memória distante que regressa com uma força torrencial e abre o caminho da escrita; e na possibilidade de se encontrar nela a raiz de toda a literatura de Besson, feita de temas como o abandono, a partida, as vidas duplas. Por estar sempre a criar histórias, a sua mãe dizia-lhe muitas vezes: “Deixa-te de mentiras.” Ao 18º romance, o escritor fez-lhe a vontade. L.R.D.
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4. “A Melhor Máquina Viva”, de José Gardeazabal
Diz que é um romance, mas esta classificação escapa-se-nos entre dedos. A Melhor Máquina Viva (Companhia das Letras, 304 págs., €17,70) é um motor engenhoso e torrencial, turbinado por combustíveis vários: filosofia, história da arte, teatros… A linguagem de José Gardeazabal não faz prisioneiros: é-se atingido pela ironia cortante, staccato impiedoso, antes de se cair num poço escuro sem referências. Uma voz original, aqui dedicada a uma história com ecos na contemporaneidade. Anders Kopf, aspirante a escritor, empreende um estranho projeto: tornar-se pobre durante um certo tempo. Conhece, depois, a rica Eeva Wiseman. Um Adão e Eva na era do capitalismo? “Um homem com comida na mão não deve falar de fome aos esfomeados. É elementar, é da gramática da violência. Vai haver dor.” S.S.C.
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5. “Cartas para Miguel Torga”, de Carlos Mendes de Sousa (org.)
As relações epistolares são uma “fotografia” diferente: a vidinha intromete-se, afetos e irritações idem. Cartas para Miguel Torga (D. Quixote, 352 págs., €19,85) traça a longa sombra estendida pelo autor de A Criação do Mundo sobre os contemporâneos. Este volume reúne uma seleção das missivas recebidas por Torga ao longo de 64 anos, sem as suas respostas, mas deixando “vir ao de cima o rosto e a vida (quase sempre literária) dos seus emissores”. Um who’s who da intelectualidade portuguesa e não só. Com a “fanfarronice mistificadora dos tímidos”, numa carta sem data nem cerimónias, Agustina censura-lhe a falta de tempo para a crítica pedida a um livro e diz-lhe: “O que estraga os seus livros, senhor, é o desejo de simplicidade, de naturalidade.” Eugénio de Andrade confessa-lhe sentir-se, aos 40 anos, “de mãos vazias, depois de apaixonadamente ter jogado todos os instantes nas sílabas contadas de um verso”. Sophia, grande amiga, escreve-lhe sempre com sentimento, esmiuçando-lhe os poemas ou queixando-se das “tragédias ibéricas onde o mais mesquinho caminha sempre ao lado do mais trágico”. Muitos professam-lhe admiração: António Ramos Rosa, Eduardo Lourenço, Gonzalo Torrente Ballester, Jack Lang, Jorge Amado, Jorge de Sena, Natália, Pascoaes, Nemésio… S.S.C.
6.”Deixem Passar o Homem Invisível”, de Rui Cardoso Martins
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Devemos voltar aos livros que nos deixaram marcas fortes a dada altura da nossa vida? Arriscar a reentrada num território que rearranjou o pódio das personagens inesquecíveis? Deixem Passar o Homem Invisível (Tinta da China, 280 págs., €14,90) é prova acabada de que sim. Reedição de um romance lançado há uma década (então pela D. Quixote), vencedor do Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores 2009, conhece agora uma sobrevida num volume aproximado ao formato de bolso. Leva-nos de volta aos intrincados esgotos da Lisboa subterrânea por onde deambulam, à maneira do labirinto mitológico, um homem cego desde a infância e um escuteiro, engolidos por um buraco de rua “como num alçapão de palco” e a lutarem através de um “império da trampa”. S.S.C.