
Emöke Baráth chega, pela primeira vez, a um disco assinado em nome próprio – o virtuosismo da sua voz luminosa já o deixava adivinhar
A música antiga está cheia de grandes homens, tal como a pintura ou a literatura. As mulheres sempre foram dissuadidas de se afirmar em atividades profissionais que pudessem contrariar a sua função doméstica, o que torna preciosas as exceções. Na música barroca, a mais proeminente destas é Barbara Strozzi (1619-1677), filha adotiva, e provavelmente biológica, de um poeta que encorajou a sua educação e lhe deu espaço para se afirmar. Nessa época gloriosa da música vocal, na qual nasceu o bel canto, Strozzi nunca escreveu óperas, mas produziu uma grande quantidade de obras em formatos mais pequenos, desde árias e arietas até cantatas. A versatilidade formal é acompanhada pela da escrita vocal, como revela bem Voglio Cantar.
A soprano húngara Emöke Baráth apresenta-se, pela primeira vez, a solo num disco. Em 2017, tínhamo-la encontrado ao lado de Philippe Jaroussky em La storia di Orfeo, um aliciante programa dedicado a Monteverdi e a dois outros compositores italianos do século XVII. Além da beleza estritamente musical, nota-se a intensa atenção às palavras, ou não tivesse Strozzi crescido num meio literário e não fosse poeta ela própria. Facilmente a imaginamos a cantar (e a orientar debates) na Accademia degli Unisoni, fundada pelo seu pai. No trecho mais longo deste CD (Il Lamento ‘Sul Rodano Severo’), a sucessão de secções com dispositivos musicais diferentes acompanha a longa história do marquês executado por traição que o poema conta. Entre as obras de Strozzi surgem peças de outros compositores, algumas delas instrumentais.
