Ainda hoje muita gente não aprecia Chopin por causa de uma certa imagem lânguida, para não dizer doentia, que lhe ficou associada. É um facto que existe uma grande quantidade de melodias melancólicas da obra dele na nossa memória. Mas pensar em Chopin como um exemplo de facilidade ou de banalidade é o maior erro que se pode cometer, indesculpável mesmo em leigos.
Chopin é um compositor de extrema sofisticação, dono de uma linguagem concentrada que não se confunde com qualquer outra, tanto ao nível da harmonia como das texturas, da figuração ou do que quer que seja. Ele tem melodias muito boas, sem dúvida; inspiradas com frequência nas da ópera (não diretamente; em Chopin não há plágio), partilham com as melhores destas o facto de criarem um momento único, em que a respiração se torna emoção sem perder a inteligência. E é isto, uma arte da respiração, que se exige aos intérpretes de Chopin. O pianista americano Kevin Kenner é impecável nesse aspeto. Sendo um chopiniano de topo há décadas, premiado no concurso internacional em Varsóvia e em vários outros, tem passado relativamente despercebido em comparação com outros pianistas de carreira internacional. Late Chopin Works volta a mostrar como isso é injusto − embora, valha a verdade, a discrição não seja das piores características quando se trata de Chopin, ele próprio um intérprete com uma notória falta de apetite pelas grandes salas. O presente CD reúne obras dos últimos anos do compositor, desde mazurkas − um género que ele praticou a vida inteira − até à Sonata nº 3. Também constam um noturno e a maravilhosa Barcarolle op. 60, com os seus amplos nove minutos de intensidade delicada. Kenner extrai do piano uma clareza e uma subtileza de som e uma precisão frásica que, sendo controladas, jamais são frias ou monótonas, e estão sempre a criar realidades novas.