A obra, queixam-se os editores e os leitores mais atentos – e com razão, nos dois casos – está dispersa, esquecida, por reeditar. Mas, em ano de efeméride, os 150 anos do seu nascimento, a oportunidade apresentou-se com clareza. Este O Pobre de Pedir era um dos casos de esquecimento crónico. Agora reedita-se, depois da edição de 1984, que por sua vez fora fixada tendo como base a original de 1931 (a primeira, póstuma, já que Raul Brandão morreu em dezembro do ano anterior), a partir dos manuscritos e de alguma revisão feita pela viúva.
O que mais ressalta desta obra é a singularidade de ter sido escrita com a consciência do fim próximo. Nota-se na apresentação deste livro que, até mais do que nos últimos volumes das Memórias, há aqui toda uma declaração testamentária. A narrativa destaca um olhar puramente subjetivo e desencantado com o mundo e com os que rodeiam esta personagem que não se apresenta por um nome, mas por uma existência. E a ideia de existir não está aqui mencionada por acaso. Tivesse Brandão sido louvado nos últimos anos e Sartre, Camus e companhia que se cuidassem. Muitos consideram que o existencialismo já está presente nestas linhas, uns 20 anos antes de os intelectuais franceses povoarem a rive gauche parisiense com debates sobre o sentido da vida.
A obra é, por isso, pungente. Pode ler-se, por exemplo, neste percurso final do autor: “Há uma disparidade entre mim e mim” ou “O meu verdadeiro ser não é aquele que compus, recalcando lá para o fundo os instintos e as paixões; o meu verdadeiro ser é uma árvore desgrenhada.” Mesmo que o olhar existencial sobre a sociedade tenha mudado radicalmente, e que esta estética possa parecer datada, o leitor pode ir a reboque de um estilo muito marcado. O autor prepara-se e encara o fim de frente. A última frase, não por acaso, é um reconhecimento disso, sem cedências e sem revolta: “Agora estou nu diante das estrelas.”
O Pobre de Pedir (Ponto de Fuga, 128 págs., €13,30) é uma obra de Brandão que tinha caído no esquecimento; para a História tinham ficado Húmus e Os Pescadores, além de outro clássico das letras nacionais, As Ilhas Desconhecidas, relato de uma viagem aos Açores.